Sinceramente, certos assuntos nem deveriam ser comentados…

A comunidade jurídica foi tomada de surpresa. A perspectiva de flexibilização do Curso de Direito, com a alteração das diretrizes curriculares constantes na Portaria n.º 1.886/94 do MEC, torna livre a possibilidade de estabelecer, agora de forma legítima, a precariedade do ensino jurídico brasileiro. Ocorre que no curso do mês anterior o Conselho Nacional de Educação (CNE) por intermédio de seu órgão competente – Câmara de Educação Superior (CES) – apresentou o Parecer CES/CNE 146/2002 (Homologado em 13/5/2002 – DOU n.º 90, seção 1, pág. 21), que estabelece as novas diretrizes curriculares para os Cursos de Direito.

Merece destaque as seguintes informações em relação ao documento:

1) A interpretação das novas regras permite afirmar que o curso de graduação terá um ciclo básico de três anos de duração;

A resolução advinda do parecer referido não apresenta expressamente considerações sobre a carga horária dos cursos. Indica que o Parecer CES/CNE 100/2002 é o parâmetro para discussão do tema, este estabelece cursos de três anos de duração.

O ensino jurídico no Brasil é marcado pela constatação de que sempre que o `Currículo Mínimo’ foi sugerido, este transformou-se em ` Currículo Pleno’. Teoricamente as Instituições de Ensino Superior (IES) terão de disputar `clientes’, ofertando cursos rápidos, conforme o interesse imediatista do mercado.

2) A Introdução ao Estudo do Direito deixa de ser necessária na formação fundamental e a sociologia geral é `substituída’ pela Psicologia Aplicada ao Direito;

Os conteúdos de formação fundamental deverão envolver o estudo da Ciência Política, Economia, Sociologia Jurídica, Filosofia, Psicologia Aplicada ao Direito e a Ética Geral e Profissional. A Introdução ao Estudo do Direito desaparece da formação fundamental, bem como a Hermenêutica, a Filosofia do Direito, a História do Direito, a Teoria da Linguagem e da Argumentação, dentre outras. Aparentemente é o começo fim da formação humanística e o fim da interdisciplinariedade

3) Não há indicações sobre os conteúdos da chamada formação profissionalizante;

O parecer inova ao omitir o tradicional conteúdo mínimo. Deste modo cada Faculdade cuidará de escolher e montar seu projeto pedagógico, dando o enfoque dogmático que entender adequado. Nesta ótica seria possível estabelecer cursos jurídicos voltados somente a concurso públicos, assim com absoluta liberdade para dar ênfase a temas vinculados aos editais. Se por hipótese uma determinada Faculdade `vende’ a perspectiva de preparar sujeitos para um determinado tipo de concurso – com o plus de formar juristas – ele ofertará disciplinas pertinentes a este propósito.

Qual será o destino do Provão? E o Exame de Ordem?

Em verdade ocorre uma clara inversão de `competências’ que torna as IES – e não mais o MEC – responsável pela normação no ensino superior. Autonomia é adequado ao desejo das IES, contudo, ausência de regulamento neste caso, representa um grave problema.

4) Monografia de conclusão de curso passa a ser optativa;

O parecer entende que a monografia curricular é uma opção institucional. Tal consideração eqüivale a afirmar que a monografia de conclusão de curso, deixará de existir. A existência da monografia apresenta um custo para as IES, há uma necessidade de contratar professores para coordenar a ação, pagar `horas-atividade’ para os professores orientadores, investir em sistemas de arquivamento e sistematização dos trabalhos.

A monografia é considerada um suplício para a maioria dos acadêmicos que têm dificuldades em compreender a pertinência de tal atividade. Hoje a monografia é uma brincadeira de faz de conta. Os trabalhos acadêmicos, ressalvadas as exceções, são transcrições literais de conteúdos disponíveis na internet, são fruto do trabalho de escribas profissionais, ou uma constante afronta aos direito autorais.

5) Acervo bibliográfico dispensável;

Não há exigência em relação a este dado. Passa ser importante existir um acervo bibliográfico vinculado aos conteúdos programáticos das disciplinas. Logo, as bibliotecas passam a ser dispensáveis.

6) Inovações em Relação ao Corpo Discente, Pesquisa e Atividades Complementares e Prática

Neste particular as determinações do documento não inovam, incentivam a manutenção de professores horistas e tornam a pesquisa algo absolutamente acessório, em face do contexto em que estão sendo lançadas no ambiente da educação superior. O Parecer, ainda, trata desiguais de modo semelhante. As diretrizes são estabelecidas de uma forma igual para os cursos de Direito, Ciências Econômicas, Turismo, Hotelaria, Secretariado Executivo, Música, Dança, Teatro e Design, olvidando das especificidades de cada curso e dos elementos comuns à formação de profissionais de diferentes áreas do conhecimento

Em síntese o novo regramento favorece IES de má qualidade. A luta de instituições como a Associação Brasileira de Ensino do Direito e da OAB pela qualidade no ensino jurídico mais uma vez foi tungada.

Leonardo Arquimimo de Carvalho é professor na Academia de Direito das Faculdades do Brasil – Unibrasil-Curitiba.

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