Seqüestro e estelionato

O Brasil desrespeita os direitos humanos, além da ordem jurídica nacional. É a opinião que a Ordem dos Advogados do Brasil levará à Organização dos Estados Americanos. A entidade dos advogados prepara um relatório sobre os precatórios, considerando que eles revelam que os estados e os municípios brasileiros, ao deixarem de pagar suas dívidas judiciais no prazo previsto pela Constituição Federal, com o aval do próprio Poder Judiciário, praticam verdadeiro estelionato e não sofrem nenhuma sanção por isso.

Os estados e municípios, condenados a pagar indenizações e até pensões, escudam-se numa posição altamente discutível do Supremo Tribunal Federal, datada de 2003, que consagrou a impunidade pelo calote. O STF entendeu que o remédio previsto para obrigar o poder público a pagar o que deve, uma vez já condenado pela Justiça a fazê-lo, é a intervenção, um remédio muito forte para a doença. Se assim é, estamos num vácuo jurídico. Há lei, há decisão judicial, mas o estado ou município devedor pratica o estelionato e o credor nada pode fazer. E não poucos morrem, antes de receber.

O argumento, escudado na posição conivente da Justiça, é que, se não há dinheiro, não podem as unidades da federação ou as municipalidades pagar, cumprindo as sentenças que os condenaram. Mas o inverso não ocorre quando o devedor é um cidadão ou uma empresa privada. Aí, há execução, seqüestro de bens e o que mais esteja às mãos do poder público para arrancar o dinheiro.

Pregam conselheiros da OAB que se substitua a pena de intervenção nos estados ou municípios caloteiros, punição que nunca ocorre e nunca resolveu esse que é um verdadeiro seqüestro de receita das pessoas físicas e jurídicas credoras, pelo seqüestro de receitas do governo devedor.

O caso de uma família de São Paulo, revelado pela advogada Liliana Prinzivalli na semana passada, não é diferente de milhares de outros existentes no Brasil. A advogada diz que o não-pagamento de dívidas do poder público, já discutidas longamente em juízo e havendo ganho de causa dos credores, é um “estelionato constitucionalizado”. Ela é representante de uma moça morta há dez anos por erro médico em um hospital da Prefeitura paulistana. A família ganhou, na Justiça, mas até agora nenhuma indenização recebeu.

Para defender os credores e acabar com esse estelionato do poder público, a OAB está organizando um seminário. Quer, nele, discutir o seqüestro de verbas públicas em substituição às intervenções que nunca funcionaram. Quer também que os bancos sejam convencidos a considerar, nos balanços dos devedores, como dívidas a pagar, os precatórios, gerando assim um cadastro mais verdadeiro e que mostrará que muitas administrações de estados e prefeituras devem mais do que declaram.

No Ministério Público também o assunto está despertando interesse, já havendo promotores e procuradores que se unem aos advogados, na luta em favor dos credores dos estados e municípios. Falta movimentar, também, os políticos. Flávio José de Souza Brando, presidente da Comissão de Precatórios da OAB paulista, diz que “políticos só se movem por questões financeiras e eleitorais. Financeiramente, vamos tentar convencer os grandes bancos que os balanços, sem os precatórios, são falsos. No âmbito eleitoral, vamos encaminhar questionários aos candidatos pedindo que digam como resolverão a questão, para que possamos cobrar coerência depois”.

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