Se for verdade…

O presidente Lula decretou, durante uma longa entrevista a emissoras de rádio, quinta-feira, o fim do tempo das dificuldades no Brasil: “Acabou o tempo das vacas magras”, disse ele. E o que disse foi repetido algumas vezes pelas diversas redes de televisão. Ante a incredulidade inicialmente esboçada, a repetição da sua crença fez cá e lá desabrochar algum sorriso no canto da boca de alguns brasileiros. “A retomada do crescimento é o nosso desejo, é a nossa obsessão, é o nosso sonho”, enfatizou o presidente que derrotou o medo.

No comércio em geral que, desanimado, antecipou o clima natalino para tentar capturar arredios clientes, a declaração presidencial caiu como uma luva de pelica. Se “non è vero, è bene trovato”, como dizem os italianos quando asseguram que se a afirmação não é verdadeira, pelo menos parece uma história bem arranjada. Afinal, Natal é tempo de apelos à fartura, à felicidade e à paz da realização dos desejos. Tempo de vacas gordas. Isso funciona melhor se vem no embalo de uma campanha de crédito “fácil e barato” pendurado na folha de pagamento e com a garantia das verbas rescisórias. O depois não conta aos desprecavidos e, mesmo aos que pouco crêem, a Deus pertence.

Credibilidade despencando no tobogã das pesquisas, Lula ainda ostenta bons números, principalmente aqueles que decorrem de seu carisma pessoal. Então, o negócio é investir nele. Se até aqui deu certo pintar de esperança o horizonte ainda distante da realidade, prossiga-se nas obras de pintura. São mais rápidas e custam menos que as obras das reformas. Ou da criação de empregos. Entre as novas garantias do supremo vate está a que para os próximos 12 meses a inflação não ultrapassará a casa dos 7%. Aliás, deverá ficar mesmo em 5%… Estamos batendo recordes atrás de recordes nas exportações embaladas pelo dólar alto e as taxas de juros, ainda lá nas alturas, já estão caindo. Haverão de cair mais. Com a cautela de sempre que irrita os empreendedores e aguça a gula de especuladores, é claro.

Noutro ambiente, mas no mesmo dia, o presidente pediu menos queixas e mais criatividade a seus assessores mais diretos, entre eles alguns ministros chorões que só sabem justificar a falta de ação pela falta de grana no orçamento. E generalizou: a reclamação virou uma espécie de mania nacional. “Eu acho – impressionou-se outra vez – que nós temos a oportunidade de fazer uma revolução silenciosa no País. Parar aquele negócio de reclamar.” E basta. Ora, dinheiro não é tudo, e nós, revolucionários vocacionados, “podemos mudar a história deste País sem dinheiro”.

Ainda em campanha, certa feita Lula observou ser necessário, para a solução de muitos de nossos males, aumentar a auto-estima dos brasileiros. Não dizia como nem quanto. A revolução silenciosa a que agora alude pressupõe o abandono dessa condição de “uma sociedade de pedintes e dependentes” em que fomos transformados. Que cada um se vire. “Temos um mundo para dar, mas achamos que não é conosco, é com o outro, e portanto não fazemos nada.” Nas igrejas e templos, durante o sermão de domingo, padres e pastores também apelam para coisas do gênero. Isso muito bem sabe até a indulgenciada ministra Benedita. E os fiéis respondem amém, invariavelmente. Ganham força interior, assim conformados com males maiores, para enfrentar outra semana de dureza e trabalho.

No Brasil novo e interplanetário de Lula parece existir muitas pastagens para rebanhos também diversos. As vacas que pastam lá não pastam como as de cá. Portanto, a avaliação sobre a magreza do gado depende sobre qual rebanho o juízo presidencial é emitido. Mas se for mesmo verdade que o tempo de carestia e miséria passou para todos, é preciso contar isso com urgência para os que estão na fila sempre maior do emprego. Ou nas pastagens magras e enguanxumadas do subemprego.

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