Saudade do BNH

O BNH – Banco Nacional da Habitação não existe já faz tempo. Sumiu com todas as sedes que possuía, prédios revestidos de mármore e granito, grandes auditórios, muito ar-condicionado. Em seu lugar ficou a Caixa Econômica Federal. Mas o BNH, a despeito das sérias denúncias de malversação de dinheiro até hoje não investigadas a fundo, vive nas pessoas – tanto aquelas que contraíram empréstimos, quanto aquelas que ficaram sem casa própria. No Brasil do Fome Zero e dos sem terra, continua faltando um programa habitacional para centenas de milhares de sem teto, condição básica para algum tipo de auto-estima em cuja elevação tanto se empenha, nos últimos dias, o presidente Lula.

Justo nesta semana em que se comemora (mas o termo não seria esse!) os 40 anos de criação do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, denuncia-se outro número, recorde dentre tantos que acumulamos, não exatamente em campos olímpicos: dos quatro milhões de mutuários existentes, trinta por cento estão inadimplentes. Ou recorreram à Justiça para negociar a dívida, que se arrasta para praticamente toda a vida.

Interessante saber que a maior reivindicação do setor – assim dizem os do Ministério das Cidades, responsáveis pela administração dos problemas da área no governo atual – é a criação de uma política nacional de habitação. E, dentro dessa política, que se crie um mecanismo que contemple o mutuário com a quitação do seu financiamento. “Que quando ele chegar ao final do contrato, esteja quitado”, segundo Geraldo Tardim, diretor da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação.

Explicando melhor, mais que o zeramento da conta no final do contrato, ele quer uma política que contemple a evolução do saldo devedor e da prestação dentro de critérios que respeitem o comprometimento da renda do mutuário. Coisa um pouco difícil para quem, de uma hora para outra, fica sem renda, sem emprego e, ainda por cima, doente e sem recursos para a cura. De fato, como ele observa, qualquer financiamento de longo prazo hoje não oferece segurança alguma. Nem para o pagador, nem para o credor. Não é por outro motivo esse brutal volume de 1,2 milhão de inadimplentes, correndo o risco de perder a casa em que moram.

Mas o problema mais sério no Brasil está num outro número, bem mais encorpado. Nosso déficit habitacional hoje é – segundo o mesmo Tardim – de 6,6 milhões de unidades habitacionais, para abrigar cerca de 30 milhões de pessoas. O número seria maior, mas não convém provocar escândalos. De qualquer forma, noventa por cento desses trinta milhões são de almas com renda de até cinco salários mínimos.

Fazendo as contas, salta na cara de qualquer um o tamanho do fiasco habitacional brasileiro: em 40 anos de SFH, os números sequer empatam. Construímos menor número de moradias que aquele da demanda ainda existente. Se tudo ficasse congelado, no ritmo em que até aqui chegamos, seriam necessários mais que outros 40 anos para que todos tivessem a meia-água dos sonhos possíveis e necessários. Diante dessa brutal realidade, falar em auto-estima tem o mesmo efeito que pregar no deserto.

Mais que se preocupar com conselhos – entre eles o de jornalismo – o governo atual deveria estar preocupado com obras. Uma vigorosa política de construção de moradias populares deveria ser mais que uma simples intenção, sempre repetida em datas como esta do aniversário de criação de um sistema que nasceu com o BNH e com ele praticamente foi enterrado. Quem não tem casa, nem própria nem alugada, não tem perspectivas. Contribuir para a satisfação do sonho da casa própria – que rouba a paz e o gosto pela vida de tantos brasileiros – deveria ser uma prioridade de governo, hoje já constrangido por intrigantes casos de extermínio de quem, sem outra opção, dorme a céu aberto pelas ruas da cidade.

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