Chamar de crise no Senado os tumultuosos fatos que envolveram o seu presidente Renan Calheiros é minimizar o acontecido. De fato, foi mais um e importante episódio da crise política e ética que o Brasil tenta superar. Os episódios que resultaram na absolvição secreta pelo plenário da câmara alta do seu presidente, acusado de falta de ética, envergonha o País e reitera mundo afora a imagem que dele fez o falecido presidente francês Charles De Gaulle, quando disse que ?o Brasil não é um país sério?. O queremos sério, mas é falta de ética o presidente do Senado Federal ter amante teúda e manteúda, com ela uma filha e pagar de forma no mínimo irregular as pensões devidas àquelas dependentes extraconjugais. É falta de ética, e talvez crime, pagar via lobista de uma grande empreiteira que negocia com o governo. E em dinheiro vivo. É absurda falta de ética essa autoridade, uma vez acusada e sendo processada na Comissão de Ética da Casa que preside, permanecer no cargo manipulando seu próprio julgamento. Aliás, até tentando evitar que ele se desse.

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Mas por isso e, por enquanto, apenas isso, Renan Calheiros foi absolvido pela votação apertada de 40 votos a 35, em sessão plenária fechada, votação secreta, tudo antecedido de uma batalha judicial e outra na base da cacetada, quando treze deputados pediram à suprema corte que determinasse lhes fosse permitido assistir à sessão. O Supremo concedeu, mas por confessa má vontade da mesa diretora do Senado e ignorância de seus seguranças, parlamentares foram barrados à força, aos socos e pontapés, e contam-se, entre as vítimas, até alguns deputados feridos, inclusive a filha do ministro da Justiça, deputada Luciana Genro.

Esses fatos e as cenas que puderam ser registradas depõem contra o Senado e a classe política brasileira, transmitindo ao mundo uma péssima imagem do País. Mas, mesmo que desprezemos a opinião de De Gaulle e o que possam pensar os gringos de qualquer outro país, pois nos bastamos a nós mesmos, andamos pelas próprias pernas e nunca, desde a proclamação da República, estivemos tão por cima, como têm repetidas vezes garganteado algumas de nossas autoridades, o fato é que o brasileiro está chocado. E com vergonha.

Isso anula todo o esforço que a sociedade tem feito para acreditar no futuro e entusiasmar-se por episódicas vitórias e fatos relevantes, como a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, de processar quarenta envolvidos no chamado escândalo do mensalão. Tudo indicava que havíamos começado um novo ciclo. Que outros fatos desmoralizantes só ocorreriam ocasionalmente e nunca no padrão do que aconteceu no Senado Federal.

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Mas, como disse o senador Renato Casagrande (PSB-ES), ?a crise vai continuar sangrando o Senado. O plenário está totalmente dividido. Isso vai exigir muito de Renan Calheiros, para que consiga voltar a presidir a Casa?.

Ele ganhou uma batalha pessoal. De vaidade pessoal e em escrutínio e sessão secretos, escondido do povo que, segundo o Supremo, deveria ter o direito de assistir aos fatos que se davam na câmara alta de seus representantes, eleitos pelo voto e mandatários, portanto representantes da nação.

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Ainda existem mais três acusações contra Renan Calheiros, duas das quais já em fase de processo na Comissão de Ética. E as três parecem ter embutidos crimes, além de falta de ética. Portanto, o presidente do Senado, que busca equilibrar-se no cargo ou pelo menos aparecer perante a nação como um vitorioso numa refrega em que insiste sem convencer que é inocente, poderá ainda ser julgado novas vezes. E a seguir sua tática, a crise será longa, dolorosa e continuará sangrando não só o parlamento, mas o País.

Temos de nos prevenir. Precisamos entesourar paciência e vergonha, pois vamos precisar tanto ou mais do que até aqui conseguimos, para continuarmos a manter esperanças neste grande, lindo e espoliado País.