Samba-do-crioulo-doido tecnológico

A discussão para a definição do padrão para as transmissões de TV digital no Brasil tomou novos rumos neste ano, quando o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, admitiu a possibilidade de se desenvolver um sistema brasileiro, como alternativa aos já existentes, europeu, japonês e americano. A proposta dividiu a comunidade científica e tecnológica. Alguns defendem o desenvolvimento de um sistema brasileiro, eventualmente em parceria com outro país, como a China, não para ser necessariamente adotado como padrão, mas para manter a engenharia nacional na vanguarda tecnológica. Muita gente, no entanto, tem calafrios ao imaginar a possibilidade de o Brasil adotar um novo “PAL-M”.

Para quem não entendeu: quando o País entrou na era da TV em cores, o governo militar optou pelo sistema de cor alemão, o PAL, adotado em quase toda a Europa. O PAL, desenvolvido pela AEG-Telefunken, é um aperfeiçoamento do NTSC, que era sujeito a instabilidade nas cores, tanto que os britânicos, usuários do PAL, apelidaram o sistema americano de “never twice the same colour”.

Para o Brasil, que usava o padrão de TV em preto-e-branco americano, o M, a escolha natural seria o NTSC, utilizado por países como México e Japão, além dos EUA. Enquanto o PAL foi desenvolvido para sistemas de 625 linhas de varredura e 25 frames (50 campos de varredura entrelaçada) por segundo, o NTSC era baseado no M, de 525 linhas e 30 frames (60 campos) por segundo.

No Brasil, optou-se por um padrão híbrido: para garantir a compatibilidade com os aparelhos em preto-e-branco já existentes, foram mantidas as freqüencias horizontal e vertical do sistema americano, mas a codificação das cores é PAL. Surgiu então o tal do PAL-M, uma espécie de samba-do-crioulo-doido tecnológico usado só aqui e no Laos, que tem compatibilidade em preto-e-branco com o NTSC.

Na passagem para a tecnologia digital, teme-se que aconteça algo parecido: a adoção de um padrão exclusivo, incompatível com o que se usa lá fora. Claro que, com a tecnologia atual, a conversão (transcodificação) entre diferentes padrões tornou-se mais acessível, e deverá ficar ainda mais fácil e barata na era digital.

Ainda há muitos pontos em discussão nessa área. Os fabricantes, por exemplo, talvez por preguiça de se adaptar a uma tecnologia mais sofisticada, se opõem à transmissão em alta definição, justamente a maior vantagem da tecnologia digital, embora a transmissão digital seja suficiente para trazer ganho de qualidade mesmo em definição standard. Outros especialistas defendem a possibilidade de recepção em aparelhos móveis, como os telefones celulares e os palmtops.

Enquanto isso, pouco destaque se dá aos estudos para a digitalização das transmissões de rádio. Os sistemas em estudo prometem dar às emissoras AM qualidade equivalente às atuais FMs. As FMs, por sua vez, terão áudio com qualidade de CD.

Ari Silveira

é chefe de Reportagem em O Estado

Voltar ao topo