Sadia qualidade de vida

Quando se afirma que a vida é uma herança viva de pai para filho, não se deve entender a expressão apenas no sentido de legado de um patrimônio genético, mas de todo um conjunto de valores. Por tal motivo a interpretação da vida humana requer uma diversidade de ângulos de abordagem, inclusive suas relações com o meio ambiente.

Questão que se tem tornado um dos centros das inquietações da Bioética é do valor dado à vida; não apenas à vida humana, mas da fauna e da flora. A transcendência que distingue o homem dos demais seres vivos tem sido relegada a segundo ou terceiro planos; deixando-se de incentivar as reflexões metafísicas, para substituí-las pela imanência e contingência dos efeitos práticos, dos fins pretendidos pela ciência. Apresenta-se uma “nova ética”, se é que assim se pode denominar o agir científico: uma ética de resultados…

Quando o texto constitucional (art. 225) consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado erige a “sadia qualidade de vida” a preceito fundamental, garantidor do direito à vida (art. 5.º). Sem um ambiente sadio, quando há contaminação da água, por exemplo, tal fato repercute em todos os níveis de vida comprometendo a biodiversidade, induzindo à doença e à morte, que são negações da vida. Atribui o mesmo texto constitucional ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

A tutela do patrimônio genético do País (art. 225, II) se apresenta como necessidade maior, no que respeita à sua diversidade e integridade, de sorte que a pesquisa e a manipulação de materiais genéticos deverá obedecer a rígidas disposições para evitar que se exponha a risco a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, V).

Assim, somente se justifica a fiscalização, controle e sancionamento de prática lesivas ao meio ambiente na razão direta da tutela da vida e da sua sadia qualidade, reconhecendo-se à vida uma dimensão não apenas material; mas transcendente ou imaterial, porque a “qualidade” pressupõe dignidade.

O substrato da tutela jurídica da vida não repousa apenas no aspecto biológico, mas na dignidade da pessoa que a possui, uma vez que um meio ambiente desequilibrado ecologicamente não permite vida sadia, tornando indigna e humilhante a existência de inúmeras pessoas. Não se trata, apenas, de qualquer vida, mas de vida sadia e digna.

No que respeita a todas as formas de vida, animal ou vegetal, verifica-se uma crescente conscientização da sociedade no sentido de defendê-la das investidas das novas tecnologias. Recentemente a mídia divulgou a invasão de plantações de transgênicos (experimentais), por lavradores, descontentes com a implementação do plantio de soja geneticamente modificada, no sul do país. Esta reação enfurecida de lavradores, independentemente dos condenáveis atos de vandalismo em propriedade privada, representa uma atitude que está amadurecendo na sociedade brasileira, no sentido de exigir informações claras sobre os rumos de experimentos científicos com alimentos e respeito ao meio ambiente.

Como derivações do direito à vida, que é o mais fundamental de todos, aparecem o direito à saúde e à alimentação, os quais garantem a integridade física, intelectual e moral do indivíduo, visto que a vida humana abrange uma totalidade estruturada que se evidencia na pessoa. Toda pessoa é uma síntese da vida que vive. Somos o quê e o como vivemos. Resultamos de um meio social, ecológico, cultural, moral, etc, equilibrado ou não, sadio ou doente.

Quanto ao Biodireito, ao tutelar a vida humana e ao objetivá-la em normas, cabe a difícil tarefa de protegê-la das investidas dos avanços das biociências e da Biotecnologia, não apenas como patrimônio genético, mas como entidade psicológica e espiritual, cuja identidade e dignidade compete preservar.

No tocante ao Direito Ambiental, ao tutelar a vida dos animais irracionais (fauna) e da flora, além de cuidar da preservação da totalidade natural, está profundamente ligado à conservação da vida humana, uma vez que a promoção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado é que propiciará uma sadia qualidade de vida.

Cabe à Bioética estabelecer princípios que tutelem a vida humana, da fauna e da flora, porém, ao Biodireito e Ambiental compete instrumentalizar aquela mediante o estabelecimento de sanções dotadas de coerção.

Maria da Glória Colucci

é mestre em Direito Público, professora da Faculdade de Direito da UFPR e Faculdade de Direito de Curitiba.

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