Risco moral e sistêmico

No governo Fernando Henrique Cardoso, em especial no seu segundo mandato, vimos uma clara disposição de discutir, e até mesmo contrariar e combater, políticas tanto do governo norte-americano, quanto do Fundo Monetário Internacional. O próprio presidente brasileiro, em foros e encontros internacionais, deixou bem clara a posição de independência do Brasil, afirmando os interesses nacionais, mesmo quando pudessem levar a um embate com os Estados Unidos e o FMI. Preferimos a conciliação, mas rejeitamos a submissão. Também contrariamos as posições dos EUA e do FMI no que toca à Argentina, advogando eloqüentemente a causa do país vizinho, não só porque integrante, conosco, do Mercosul, mas também por questões de convicção. Convicção de que as políticas de Bush e do Fundo para países em dificuldades, no momento atual, têm sido inadequadas. Também porque conseguimos expressar melhor nossa independência na medida em que a União Européia surge como um mercado uno, capaz de, senão substituir, pelo menos compensar em parte os Estados Unidos, quando nos falham ou contrariam os nossos legítimos interesses, como no caso de seus mais recentes protecionismos.

O ministro Pedro Malan, falando em Madri sobre a “Bancarização dos mercados emergentes: risco moral e risco sistêmico”, evento organizado pela Caixa de Madri e pelo jornal The Economist, criticou aberta e com veemência a demora do FMI e do governo Bush em ajudar a Argentina. Seu pronunciamento foi solidariedade de associado do Mercosul. Mas não só isso, pois também uma posição de defesa de interesses que podem ser de outros países e inclusive do nosso. Registrou o ministro da Fazenda brasileiro uma mudança de comportamento do Fundo e do governo norte-americano em relação aos países em dificuldades, restringindo-se à avaliação de riscos sistêmicos para liberação de ajudas, quando restam mais iminentes os riscos morais. Na medida em que se exige de um país em dificuldades ajustes que não podem ser feitos sem antes receber a ajuda solicitada, sua situação tende a agravar-se. E a negativa ou demora da ajuda do FMI ou do governo norte-americano passa a significar, para o mercado, um aumento do risco moral, aprofundando as dificuldades do país solicitante.

Na Argentina existem graves riscos sistêmicos e morais. No Brasil, discutíveis e até negados riscos sistêmicos e apenas a presunção de que, num futuro governo, possam surgir riscos morais.

Uma posição mais decisiva de ajuda do FMI e do governo norte-americano significa, para um país em aperto, um precioso aval perante o mercado. Este raciocina que, se o FMI e o governo Bush confiam, é razoável também confiar. Restam ainda os efeitos da especulação num ano eleitoral como o nosso, quando é difícil convencer que um eventual governo de esquerda venha cumprir metas e contratos assumidos por um antecessor de linha mais ortodoxa. No caso brasileiro, recebemos o aval do FMI, mas aqui mesmo, por motivos eleitorais, há quem espalhe mundo afora existirem riscos sistêmicos. Isto em nada nos ajuda. Pelo contrário, muito nos atrapalha. A defesa da Argentina feita por Malan, no seminário de Madri, não foi uma simples manifestação de solidariedade, afirmação de política de bloco ou prevenção contra a imaginada contaminação apelidada de “efeito tango”. Foi também a defesa de legítimos interesses brasileiros.

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