Responsabilidade ?penal? da pessoa jurídica

a)  Societas delinquere potest ou non potest?

O princípio da responsabilidade pessoal, que constitui um dos eixos do clássico Direito penal, nos conduz a cuidar com muita cautela do tema da responsabilidade ?penal? da pessoa jurídica (prevista, entre nós, na Lei ambiental 9.605/1998, art. 3.º). O tema é, sem sombra de dúvida, um dos mais controvertidos na atualidade, mas seguramente não pertence ao (verdadeiro) Direito penal. Tampouco chega a constituir mais exemplo do poder punitivo interno bruto (PPIB). A que ramo do Direito pertenceria esse assunto? Ao Direito judicial sancionador.

É uma verdadeira vexata quaestio saber se essa responsabilidade é efetivamente ?penal?, se devem ser responsabilizados ?penalmente? só as pessoas jurídicas e as empresas ou, alternativamente, os gestores das mesmas pelos fatos formalmente cometidos por aquelas (ou se a responsabilidade seria dupla: dos responsáveis pelo ato criminoso e da pessoa jurídica)(1).

A Constituição Federal, é certo, em duas situações, cuidou da responsabilidade da pessoa jurídica (crimes econômicos e ambientais CF, arts. 173, § 5.º e 225, § 3.º). Até agora apenas no que concerne aos crimes ambientais o assunto foi regulamentado (Lei 9.605/1998, art. 3.º). Mas a doutrina até hoje discute se essa responsabilidade tem ou não o caráter ?penal?. No sentido negativo: Miguel Reale Júnior, José Cretella Júnior, Cezar Roberto Bitencourt, José Antonio Paganella Boschi, Luiz Vicente Cernichiaro etc.

Na origem da questão temos duas teorias: (a) da ficção jurídica e (b) da realidade ou da personalidade real. A primeira foi sustentada por Savigny, que afirmava que a pessoa jurídica tem existência fictícia e, portanto, não pode delinqüir (societas delinquere non potest). Essa é, aliás, a tradição do Direito romano, que foi seguida nesse ponto pelo Iluminismo bem como pela Escola clássica (Feuerbach, Carrara etc.). Todos negavam a possibilidade de se processar criminalmente a pessoa jurídica, mesmo porque, se a pena tem efeito preventivo, aquela não é dotada de capacidade para entender a mensagem da nor ma. No Brasil pensam dessa forma: Pierangelli, René Dotti, Régis Prado, Silva Franco, Tourinho Filho, R. Delmanto, Mestieri, Toledo etc.

A segunda teoria (teoria da realidade ou da personalidade real) foi sustentada, sobretudo, por Otto Gierke, que asseverava a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, reconhecendo nela a capacidade de atuação (societas delinquere potest). No Brasil, no mesmo sentido: Sérgio S. Shecaira, Paulo Affonso Machado, Vladimir Passos e Gilberto Passos, Edis Milaré, Damásio de Jesus etc.

Sempre preponderou no Direito penal brasileiro a tese da incapacidade da pessoa jurídica para ser responsabilizada penalmente (societas delinquere non potest). É da tradição do nosso Direito penal a vigência da responsabilidade subjetiva (desde o Código Criminal do Império de 1830 exige-se dolo ou culpa para a existência da infração penal). Cuida-se, de resto, de uma conseqüência natural da adoção de um Direito penal do ius libertatis, fundado nos princípios da responsabilidade pessoal, subjetiva, da culpabilidade, da personalidade da pena etc. Esse velho e clássico Direito penal não se compatibiliza com a responsabilidade penal da pessoa jurídica (visto que ela não tem capacidade de ação, não tem capacidade de culpabilidade e não tem capacidade de pena nem de motivação do sentido da norma etc.).

No Direito comparado, entretanto, são muitos os países que já adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Destaque merece, nesse sentido, o sistema inglês. Aliás, no sistema da common law nunca se questionou essa possibilidade. Sempre vigorou o princípio do societas delinquere potest. Num país sem tradição romano-germânica, que chega a acolher a responsabilidade objetiva para pessoas físicas (strict liability), não poderia mesmo encontrar nenhuma resistência a tese da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Também merece menção especial o sistema francês atual. Desde 1994 admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tendo o legislador feito várias reformas penais e processuais ad hoc, com o escopo de viabilizar essa responsabilização(2).

Em 1999, logo após o início da vigência da Lei 9.605/1998, coordenei um livro que foi dedicado aos temas Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito penal (São Paulo: RT, 1999). Na apresentação desse livro (p. 7 a 21) fiz um balanço das teses doutrinárias nele apresentadas, favoráveis ou contrárias à responsabilização ?penal? da pessoa jurídica. Sintetizando o que lá se encontra podemos recordar o seguinte: Klaus Tiedemann sublinha que os agrupamentos criam um ambiente que facilita e incita os autores físicos a cometer delitos em benefício da entidade coletiva. Daí surge a idéia de sancionar não só os autores materiais como também a própria pessoa jurídica.

Ada Pellegrini Grinover salienta que a Lei Ambiental 9.605, de 12/2/1998, que prevê no art. 3.º a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não contém qualquer norma processual ou procedimental sobre a matéria. No entanto, nenhuma falta fazem tais regras processuais específicas, porque o ordenamento jurídico deve ser visto como um todo e nele se encontram as respostas adequadas para o tratamento da questão, observadas, claro, as diferenças que existem entre as diversas disciplinas processuais.

Para Cezar Roberto Bitencourt o Direito penal não pode a nenhum título e sob nenhum pretexto abrir mão das conquistas históricas consubstanciadas nas suas garantias fundamentais. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas apresenta inúmeros problemas, tais como: a) questões de política criminal; b) problema da (in)capacidade da ação; c) a (in)capacidade de culpabilidade; d) o princípio da personalidade da pena; e) as espécies de sanções ou penas aplicáveis às pessoas jurídicas.

João Marcello de Araújo Júnior defendia a responsabilidade penal da pessoa jurídica e, para chegar a esta conclusão, partia da análise dos conceitos clássicos de ação, culpabilidade e capacidade da pena, que constituem a dificuldade para que a doutrina tradicional admita tal conseqüência. Diz que a pessoa jurídica tem capacidade de agir criminosamente. Em sintonia com a doutrina inglesa, holandesa e americana, sustenta que a pessoa jurídica tem capacidade de ação para contratar assim como para descumprir, às vezes criminosamente, o contrato.

José Carlos de Oliveira Robaldo sublinha que a responsabilidade penal da pessoa jurídica, que tem previsão legal na CF, art. 173, § 5.º, e art. 225, § 3.º, este último regulamentado pela Lei 9.605/98, no que tange aos crimes ambientais, é de conteúdo administrativo e não penal. O ordenamento jurídico está a oferecer uma gama de sanções de outras ordens, quer de Direito Civil, quer de Direito Administrativo, que na maioria das vezes são bem mais eficazes na proteção dos bens jurídicos do que a tutela penal, bastando a aplicação adequada.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica, afirma Maria Celeste C. Leite Santos, em artigo que leva esse título, é uma realidade. Trata-se de uma responsabilidade penal coletiva específica de entes coletivos. A pessoa jurídica é uma pessoa deliberativa e sua capacidade traduz-se em sua competência de atuação (?performativa?). A doutrina francesa é clara ao afirmar que a ?vontade coletiva? da empresa não é um mito. Caracteriza-se em cada etapa da sua existência pela deliberação e pelo voto da Assembléia Geral, de seus membros, Conselhos de Administração, gerência ou direção. Essa competência de atuação nos permite reconhecer a possibilidade de ela cometer crimes tanto quanto a pessoa natural (com a conseqüente responsabilidade social, que é sui generis).

Sérgio Salomão Shecaira, que é monografista do assunto, em seu arrazoado inicia suas considerações asseverando que hoje temos um modelo de um novo comportamento social que sugere a existência de um novo paradigma normativo da análise jurídica. Isto é, existem novas regras que apontam para um novo modelo a ser racionalmente construído no âmbito das ciências sociais, cujos reflexos são evidentes na área do direito, e em particular no que concerne ao direito ambiental. A empresa é um dos nódulos essenciais do modo de ser das comunidades nas atuais sociedades pós-industriais. É a empresa o topos de onde a criminalidade econômica pode advir. Tal concepção leva a que a empresa possa apresentar-se como um verdadeiro centro gerador de imputação penal.

Walter Claudius Rothenburg advoga pela capacidade criminal da pessoa jurídica. Com as disposições constitucionais contidas nos arts. 173, § 5.º, e 225, § 3.º, e a edição da Lei 9.605/98, que ?dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente?, consagrou-se a sujeição criminal ativa das pessoas jurídicas em nível legislativo; é chegado o momento de se verificar a responsabilização penal dos entes coletivos na prática.

William Terra de Oliveira (Responsabilidade penal da pessoa jurídica e sistemas de imputação) reconhece que o nosso país segue um sistema penal de perfil individual. As discussões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica ganharam corpo após o advento da Constituição Federal de 1988, a qual apresentou, no seu art. 173, § 5.º, uma possibilidade de mudança de sentido quanto à adoção do aforismo societas delinquere non potest. De um lado se dá então a discussão sobre a conveniência ou não de se admitir esse princípio e, por outro, surge a necessidade de revisar e adotar um novo sistema de imputação individual no cenário empresarial. Diante das discussões sobre o estabelecimento de uma nova teoria a respeito da responsabilidade individual, quando o delito é praticado no seio de uma empresa ou por meio desta, surgiram estudos específicos que indicaram ser perfeitamente possível a construção de mecanismos de imputação diferentes dos manejados pelos operadores jurídicos tradicionais.

Nossa posição: não seguimos a atual tendência (no mundo e no Brasil) de admitir a responsabilidade ?penal? da pessoa jurídica. Para nós, o Direito penal do ius libertatis é inequivocamente incompatível com esse tipo de responsabilidade (cf. infra Vigésima segunda seção). Entendemos, portanto, que a única interpretação possível do artigo 3.º da Lei 9.605/1998 consiste em admitir que a responsabilidade da pessoa jurídica não é propriamente ?penal?, no sentido estrito da palavra. É mais uma hipótese, isso sim, segundo nossa visão, de Direito judicial sancionador.

Não se trata, destarte, nem de Direito penal, nem de Direito administrativo. Não é tema do Direito penal do ius libertatis porque, dentre as sanções cominadas para a pessoa jurídica, obviamente, não consta a privação da liberdade. Não é assunto do Direito administrativo porque não é a autoridade administrativa a competente para impor tais sanções. Cabe ao juiz fazer isso, no seio de um processo penal, com observância de todas as garantias constitucionais e legais pertinentes. Conclusão: é matéria do Direito judicial sancionador, que se caracteriza justamente pelo fato de se exigir a intervenção judicial para a imposição da sanção prevista em lei.

Não foi esse, entretanto, o entendimento do STJ, no caso que chegou a esse Tribunal Superior (REsp 564.960, rel. Min. Gilson Dipp cf. abaixo os fundamentos do acórdão. No mesmo sentido: HC 43.751-ES, DJU de 17/10/05). Mas a polêmica persiste porque não há uniformidade sobre a matéria. Em duas ocasiões o STJ não admitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica: REsp 622.724-SC, Quinta Turma, j. 18/11/04; REsp 665.212-SC, j. 16/12/04.

De qualquer maneira, parece certo que mesmo vigorando o princípio societas delinquere non potest, ainda assim, não há qualquer tipo de obstáculo para que se condene a pessoa jurídica com sanções compatíveis com sua realidade sui generis. Mas essas sanções, obviamente, não podem ter a natureza ?penal?, sim, são sanções típicas do Direito sancionador, que jamais admite a pena privativa de liberdade. Também não há nenhum impedimento para que essas sanções sejam aplicadas pelo juiz, no bojo de um processo criminal, respeitadas todas as garantias processuais e constitucionais. Todas as conseqüências que a legislação atual prevê contra as pessoas jurídicas, são as típicas do Direito judicial sancionador.

Teoria da dupla imputação: independentemente de ser ou não ?penal? a natureza específica da responsabilidade da pessoa jurídica prevista na lei ambiental, emerge como absolutamente inevitável a incidência da teoria da dupla imputação (ou da imputação paralela), leia-se, jamais pode a pessoa jurídica isoladamente aparecer no pólo passivo da ação penal (sempre será necessário descobrir quem dentro da empresa praticou o ato criminoso em seu nome e em seu benefício). Desse modo, devem ser processadas (obrigatoriamente) a pessoa que praticou o crime e a pessoa jurídica (quando esta tenha sido beneficiado com o ato).

Essa tese foi referendada pelo STJ, no REsp 564.960, rel. Min. Gilson Dipp, que sublinhou: ?Os critérios para a responsabilização da pessoa jurídica são classificados na doutrina como explícitos: 1) que a violação decorra de deliberação do ente coletivo; 2) que autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; e 3) que a infração praticada se dê no interesse ou benefício da pessoa jurídica; e implícitos no dispositivo: 1.º) que seja pessoa jurídica de direito privado; 2.º) que o autor tenha agido no amparo da pessoa jurídica; e 3.º) que a atuação ocorra na esfera de atividades da pessoa jurídica. Disso decorre que a pessoa jurídica, repita-se, só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral, conforme o art. 3.º da Lei 9.605/98. Luís Paulo Sirvinskas ressalta que ?de qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.? Essa atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. Porém, tendo participado do evento delituoso, todos os envolvidos serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. É o que dispõe o parágrafo único do art. 3.º da Lei 9.605/98, que institui a co-responsabilidade, nestes termos: Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato?.

No mesmo sentido: STJ, REsp 889.528, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 18/6/07, p. 303; RHC 19.119-MG, j. 12/6/06; RMS 16.696-PR, Sexta Turma, j. 9/2/06; RMS 20.601-SP, Quinta Turma, j. 29/6/06;

Pode-se afirmar que também houve plasmação e consagração na Lei 9.605/1998 (art. 3.º) da chamada teoria da responsabilidade penal por ricochete (de empréstimo, subseqüente ou por procuração), ou seja, a responsabilidade ?penal? da pessoa jurídica depende da prática de um fato punível por alguma pessoa física, que atua em seu nome e em seu benefício. É uma responsabilidade por ricochete, porque prioritariamente deve ser incriminada a pessoa física. Por reflexo a pessoa jurídica acaba também sendo processada, desde que preenchidos os requisitos legais (atuação em nome da pessoa jurídica, benefício da pessoa jurídica etc.). Quando não se constata nenhum benefício para a pessoa jurídica, não há que se falar em processo contra ela: TRF-2.ª Região, MS 7.745, Quinta Turma, j. 30/4/02.

Pessoa jurídica de direito público: o leading case mencionado (REsp 564.960), de outro lado, também enfocou a polêmica questão de se saber se pessoa jurídica de direito público pode ou não ser processada pela lei ambiental. O primeiro posicionamento do STJ é no sentido negativo. Mas essa questão ainda não deve ser dada como encerrada. Aliás, adotada a nossa postura de que a responsabilidade da pessoa jurídica prevista na lei ambiental não é ?penal?, sim, sancionadora, fica mais fácil sustentar a tese da responsabilização também da pessoa jurídica de direito público, mesmo porque a lei ordinária não faz nenhuma distinção (essa é nossa posição sobre o tema)(3).

CASO CONCRETO. ?I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial. II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial. IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal. VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. ?De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.? IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica. XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que ?nenhuma pena passará da pessoa do condenado […]?, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator? (STF, REsp. 564.960, rel. Min. Gilson Dipp, v.u., j. 2/6/2005).

Impossibilidade da responsabilidade pessoal objetiva ou por fato de outrem: ninguém pode ser responsabilizado por fato de terceiros nem tampouco quando não tenha atuado com dolo ou culpa (STF, HC 83.554-PR, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16/8/05). O dirigente da empresa não pode ser responsabilizado diretamente quando a empresa conta com instâncias gerenciais e de operação dedicadas à fiscalização. O fato de ser presidente ou dirigente de uma empresa não significa, por si só, responsabilidade penal.

Não cabimento do habeas corpus em favor de pessoa jurídica: prepondera na atualidade o entendimento de que o habeas corpus não se presta para amparar reclamos de pessoa jurídica, visto que se trata de writ que tutela a liberdade individual. Correto é manejar, no caso, o mandado de segurança (STJ, RHC 16.762-MT, Sexta Turma, j. 23/11/04).

b)  Posição do STJ sobre a responsabilidade da pessoa jurídica

Pela relevância da matéria e do posicionamento adotado pela Quinta Turma do STJ, assim como pela doutrina e jurisprudência que são invocadas, vale a pena transcrever, na íntegra, o voto do Min. Gilson Dipp (proferido no citado REsp 564.960).

VOTO DO MIN. GILSON DIPP. ?Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fulcro nas alíneas ?a? e ?c? do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, que negou provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos da seguinte ementa: ?AÇÃO PENAL – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE -REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTE DESTE TRIBUNAL – RECURSO MINISTERIAL NÃO PROVIDO?. (fl. 124). Consta dos autos que o Ministério Público ofereceu denúncia contra M. e S. e a pessoa jurídica de direito privado denominada A., dando-os como incursos nas sanções do art. 54, § 2.º, V e 60, ambos da Lei 9.605/98, na forma do art. 70 do Código Penal. Descreve a inicial acusatória que os denunciados causaram poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento. O Juiz de Direito rejeitou a denúncia em relação à empresa A., com fulcro no art. 43, III, do CPP, ao entendimento de que a pessoa jurídica não poderia figurar no pólo passivo da ação penal. Inconformado, o representante do Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, pretendendo o recebimento da inicial acusatória. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento ao recurso, ao fundamento de que o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica não poderia ser introduzido no sistema brasileiro, o que não significaria dizer que não devam ficar sem punição, mas de natureza administrativa e civil. No presente recurso especial, o Parquet insiste na possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, apontando, para tanto, negativa de vigência aos artigos 3.º da Lei 9.605/98 e 43, III, do Código de Processo Penal. Não foram apresentadas contra-razões (fl. 163). Admitido o recurso (fl. 164), a Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo seu conhecimento e provimento (fls. 173/177). É o relatório. Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, com fulcro nas alíneas ?a? e ?c? do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, que negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo recorrente. No presente recurso especial, o Parquet insiste na possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, apontando, para tanto, negativa de vigência aos artigos 3º da Lei 9.605/98 e 43, III, do Código de Processo Penal. O recurso é tempestivo. O Ministério Público foi intimado, na pessoa de seu representante legal, no dia 14/3/2003 (sexta-feira) (fl. 131), e a petição de interposição do recurso especial foi protocolizada no dia 31/3/2003 (segunda feira), último dia do prazo (fl. 132). A matéria encontra-se devidamente prequestionada. O Ministério Público aponta ofensa ao art. 43, III, do Código de Processo Penal e negativa de vigência ao art. 3.º da Lei Ambiental, na medida em que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina manteve a decisão que rejeitou a denúncia contra a pessoa jurídica, ao fundamento de sua ilegitimidade passiva, pois o ordenamento jurídico pátrio não estaria preparado para a implementação de sua responsabilização penal. Desta forma, conheço do recurso porque satisfeitos os seus requisitos de admissibilidade, merecendo prosperar a irresignação. O tema tratado nos presentes autos é bastante controverso na doutrina e jurisprudência. A Constituição Federal de 1988, consolidando uma tendência mundial de atribuir maior atenção aos interesses difusos, conferiu especial relevo à questão ambiental, ao elevar o meio-ambiente à categoria de bem jurídico tutelado autonomamente, destinando um capítulo inteiro à sua proteção. Em seu art. 225, com efeito, a Carta Magna assim proclama: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. No § 3.º do mesmo dispositivo, a Carta Constitucional passou a prever, então, a criminalização das condutas lesivas causadas ao meio-ambiente, fossem os infratores pessoas físicas ou jurídicas. Confira-se: § 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Feita a opção constitucional pela responsabilização da pessoa moral, dez anos após, veio à lume a Lei 9.605/98, regulamentando o disposto no referido § 3.º do art. 225 da CF/88 e prevendo, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente. Eis o teor do artigo 3.º da Lei Ambiental: Art. 3.º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. A referência às pessoas jurídicas, no entanto, não ocorreu de maneira aleatória, mas como uma escolha política, diante mesmo da pequena eficácia das penalidades de natureza civil e administrativa aplicadas aos entes morais. Rebatendo a tese final contemplada pelo Tribunal a quo, no sentido da suficiência das sanções de natureza administrativa e civil aos entes coletivos, cito as ponderações do Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, José Luis Germano da Silva, no julgamento do Mandado de Segurança 2002.04.01.013843-0/PR: ?Não é incomum ouvir-se a afirmação de alguns no sentido de que bastariam as sanções administrativas para coibir os atos ilícitos societários. Não parece razoável a tese. Em primeiro lugar, especialmente nos países de terceiro mundo, onde a administração é mais sensível à impropridade e os seus órgãos julgadores são despreparados, não é eficaz como resposta do sistema subtrair do Direito penal a regulação, submetendo-se a perseguição ao Judiciário, que tem mais autonomia e independência para investigar e punir. Se a carga de negatividade social do crime empresarial justifica a presença do Direito penal como ultima ratio, não há por que omitir-se na regulação. No Brasil, acresce a esses argumentos o fato de que a investigação criminosa pertence ao Ministério Público, que tem cumprido à risca sua função constitucional. Manter a controvérsia no âmbito regulador estrito da administração seria afastar o parquet da teia armada pelas empresas para realizar seus fins delituosos.? É sabido, destarte, que os maiores responsáveis por danos ao meio-ambiente são empresas, entes coletivos, através de suas atividades de exploração industrial e comercial. A incriminação dos verdadeiros responsáveis pelos eventos danosos, no entanto, nem sempre é possível, diante da dificuldade de se apurar, no âmbito das pessoas jurídicas, a responsabilidade dos sujeitos ativos dessas infrações. É o que destaca, com muita clareza, Eládio Lecey, em seu comentário extraído da obra Direito Ambiental em Evolução (Editora Juruá, 2.ª ed., 2002, p. 45/49, organizado por Vladimir Passos Freitas): ?[…] Sabidamente, os mais graves atentados ao meio-ambiente são causados pelas empresas, pelos entes coletivos. Em razão de serem cometidos no âmbito das pessoas jurídicas, surge extrema dificuldade na apuração do (ou dos) sujeitos ativos de tais delitos. A complexidade dos interesses em jogo na estrutura das empresas pode levar à irresponsabilidade organizada dos indivíduos. A diluição da responsabilidade não raro é buscada deliberadamente, com a utilização de mecanismos colegiados de decisão. […] Deve-se, portanto, na responsabilização do sujeito ativo das infrações através da pessoa jurídica, dar especial atenção à figura do dirigente.

[…] A par da responsabilização do dirigente, seja como autor ou co-autor, seja como partícipe, impõe-se a criminalização da pessoa jurídica para que, na restrita imputação à pessoa natural, não acabe recaindo a responsabilidade, como de regra, sobre funcionários subalternos que, na maioria das vezes, temendo represálias, não incriminam seus superiores. Ou porque, punindo-se apenas o indivíduo, pouco importaria à empresa que um simples representante, ou ?homem de palha? sofresse as conseqüências do delito, desde que ela, pessoa jurídica, continuasse desfrutando dos efeitos de sua atividade atentatória. Bem andou, pois, nossa Constituição de 1988 ao estabelecer a responsabilidade penal da pessoa jurídica nas infrações contra o meio ambiente (art. 225, § 3.º). O legislador infraconstitucional, finalmente, recepcionou a norma da Carta Magna, consagrando a criminalização da pessoa coletiva nesses delitos (lei 9.605/98, art. 3.º)[…]?. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais surge, assim, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção da prática de tais crimes, função essencial da política ambiental, que clama por preservação. Cito, aliás, o seguinte trecho da obra de Luis Paulo Sirvinskas, ?Tutela Penal do Meio Ambiente, Ed. Saraiva, 3.ª Edição, 2003, p. 15): ?A maioria dos países da Europa pune a pessoa física e jurídica que lesa o meio ambiente, não só administrativa e civil, mas também penalmente. Nas esferas administrativa e civil, a proteção ao meio ambiente não tem sido eficaz. Na esfera administrativa, das multas aplicadas pelo Ibama, em 1997, somente seis por cento foram recolhidas aos cofres públicos e, na esfera civil, nem todas as ações civis públicas têm sido coroadas de êxito, especialmente pela demora no seu trâmite. Por isso, a necessidade da tutela penal, tendo-se em vista seu efeito intimidativo e educativo e não só repressivo. Trata-se de uma prevenção geral e especial. Ressalte-se que alguns países inseriram tipos penais ambientais no Código Penal e outros por legislação ordinária. Nos dias presentes, a tendência no mundo moderno é responsabilizar penalmente a pessoa física e jurídica que cometa crimes contra o meio ambiente.? O caráter preventivo da penalização, com efeito, prevalece sobre o punitivo. A realidade, infelizmente, tem mostrado que os danos ambientais, em muitos casos, são irreversíveis, a ponto de temermos a perda significativa e não remota da qualidade de vida no planeta. Fernando Galvão (Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, Editora Del Rey, 2.ª Ed., 2003, p. 16-17) assim analisa a incriminação da pessoa jurídica como forma de prevenção da conduta danosa ao meio-ambiente, pela ótica capitalista. Confira-se: ?Por outro lado, a sanção de natureza penal oferece um contra-estímulo muito mais eficiente na proteção do meio-ambiente, justamente por trabalhar em harmonia com a lógica do mercado capitalista. A pena criminal possui efeito estigmatizante que, para a pessoa física, sempre foi considerado um ponto negativo. A pessoa física tem maiores dificuldades para a reinserção social após receber a marcação oficial de criminoso. No caso da pessoa jurídica, a marca da responsabilidade criminal dificulta os negócios da pessoa jurídica e, na defesa de seus interesses econômicos, os dirigentes da pessoa jurídica são estimulados a evitar o processo penal. Na lógica do mercado, a certificação de qualidade ambiental do ISO 14.001 abre caminho para bons negócios. Já a denúncia criminal possui efeito contrário, descredencia e, em alguns casos, inviabiliza a transação comercial com a pessoa jurídica responsável por dano ambiental. O tempo se encarregará de mostrar que a opção pela responsabilização criminal da pessoa jurídica desenvolve estratégia muito eficiente na preservação do meio ambiente, em especial porque trabalha intervindo na lógica capitalista do lucro.? No direito comparado, muitos são os países que já adotam a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, dentre eles: Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, França, Venezuela, México, Cuba, Colômbia, Holanda, Dinamarca, Portugal, Áustria, Japão e China, demonstrando uma tendência mundial no sentido de admitir a aplicação de sanções de natureza penal às pessoas jurídicas pela prática de ofensas ao meio-ambiente. A responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo decorrente de uma opção eminentemente política, conforme referido, depende, logicamente, de uma modificação da dogmática penal clássica para sua implementação e aplicação. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras, assim, na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades. Ocorre que a mesma ciência que atribui personalidade à pessoa jurídica deve ser capaz de atribuir-lhe responsabilidade penal. É incabível, de fato, a aplicação da teoria do delito tradicional à pessoa jurídica, o que não pode ser considerado um obstáculo à sua responsabilização, pois o direito é uma ciência dinâmica, cujos conceitos jurídicos variam de acordo com um critério normativo e não naturalístico, como bem ressalta Fernando Galvão. Em suas razões recursais, o Ministério Público, com efeito, assim ressalta: ?A responsabilidade penal desta, à evidência, não poderá ser entendida na forma tradicional baseada na culpa, na responsabilidade individual, subjetiva, propugnados pela Escola Clássica, mas deve ser entendida à luz de uma nova responsabilidade, classificada como social.? (fl. 141). Indaga-se de que forma a pessoa jurídica seria capaz de realizar uma ação com relevância penal. Tudo depende, logicamente, da atuação de seus administradores, se realizada em proveito próprio ou do ente coletivo. Explica Germano da Silva, ainda no julgamento do Mandado de Segurança n.º 2002.04.01.013843-0/PR, que ?a autoria da pessoa jurídica deriva da capacidade jurídica de ter causado um resultado voluntariamente e, com desacato ao papel social imposto pelo sistema normativo vigente. Esta é a ação penalmente relevante.? Assim, se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal, tal como ocorre na esfera cível. A questão da culpabilidade, por exemplo, deve transcender ao velho princípio societas delinquere non potest. Na sua concepção clássica, não há como se atribuir culpabilidade à pessoa jurídica. Modernamente, no entanto, a culpabilidade nada mais é do que a responsabilidade social e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. Valdir Sznick, na mesma linha, prevê de que maneira a pessoa jurídica é culpável (in Direito penal Ambiental, Editora Ícone, 2001, p. 66/67): ?[…] à pessoa jurídica pode-se imputar, exigir e atribuir a responsabilidade penal. Se a culpabilidade é poder agir segundo as exigências do direito (a exigibilidade de outra conduta) a pessoa jurídica é culpável (entendendo a exigibilidade no conceito dos finalistas, reproduzido por Jimenez de Asúa). Tratando-se de pessoas jurídicas, estamos diante de uma culpa social, diferenciada mas que atinge interesses coletivos ; em um campo teórico, trata-se de uma culpa diferenciada, diversa da culpa tradicional, dentro do interesse público, fundamento da ?strict liability?, do direito americano, que prescinde da ?mens rea?, ou seja, do dolo. (Conf. Celis Wells, Corporations asd Criminal Responsability, Claredon Press, N. York, 1993, pág. 56 e seg.). Segundo Celia Wells, a ?strict liability? (responsabilidade estrita) se incorporou à responsabilidade da pessoa jurídica, dentro da relação empresa-empregados, adotando a responsabilidade vicariante (da empresa pelos seus empregados), sempre procurando determinar a responsabilidade da pessoa física (dirigentes ou responsáveis), mesmo sendo a pessoa jurídica responsável busca-se o elemento subjetivo do responsável.? É certo que não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (dolo ou culpa). Germano da Silva continua: ?Em princípio, sempre que houver a responsabilidade criminal da sociedade estará presente também a culpa do administrador que emitiu o comando para a conduta. Do mesmo modo o preposto que obedece à ordem ilegal, como de resto o empregado que colabora para o resultado. Os critérios para a responsabilização da pessoa jurídica são classificados na doutrina como explícitos: 1) que a violação decorra de deliberação do ente coletivo; 2) que autor material da infração seja vinculado à pessoa jurídica; e 3) que a infração praticada se dê no interesse ou benefício da pessoa jurídica; e implícitos no dispositivo: 1) que seja pessoa jurídica de direito privado; 2) que o autor tenha agido no amparo da pessoa jurídica; e 3) que a atuação ocorra na esfera de atividades da pessoa jurídica. Disso decorre que a pessoa jurídica, repita-se, só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral, conforme o art. 3.º da Lei 9.605/98. Luís Paulo Sirvinskas ressalta que ?de qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado.? Essa atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. Porém, tendo participado do evento delituoso, todos os envolvidos serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade. É o que dispõe o parágrafo único do art. 3.º da Lei 9.605/98, que institui a co-responsabilidade, nestes termos: Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. A insuscetibilidade de imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas é um argumento pouco aceitável contrário à sua responsabilização penal. O ordenamento penal brasileiro prevê outras sanções penais para os entes morais. A Lei Ambiental, com efeito, previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica. Relativamente à Lei 9.605/98 e as sanções ali previstas, merece destaque o fato de que estão elas relacionadas na Parte Geral, e não nos próprios tipos penais, o que tem suscitado diversas críticas na doutrina, diante da dificuldade que pode decorrer para a aplicação prática, em face da necessidade de se realizar uma espécie de integração com a Parte Especial. Essa imprecisão técnica não é novidade no ordenamento penal brasileiro. Outras normas contam com o mesmo defeito mas foram adaptadas e aplicadas eficazmente. Exemplo disso é o art. 95, ?d?, da Lei 8.212/91. As penas restritivas de direitos consistem em suspensão parcial ou total de atividades; interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; e proibição de contratar com o poder público e dele obter subsídios, subvenções ou doações. As penas de prestação de serviços à comunidade, por seu turno, de acordo com Eládio Lecey, ?servirão como autêntica forma de reinserção da pessoa coletiva com expressivo retorno à tutela do meio ambiente? , na medida em que se consubstanciam em custeio de projetos ambientais; recuperação de áreas degradadas; contribuições a entidades ambientais, etc. Mais uma questão de destaque é a respeito da possibilidade de ofensa ao princípio insculpido no inciso XLV do art. 5.º da Constituição Federal/88, verbis: XLV. Nenhuma pena passará da pessoa do condenado,podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimnio transferido. Essa regra, como bem se sabe, veio como forma de salvaguardar os familiares dos condenados dos reflexos da condenação penal. Ora, não se pode negar o fato de que sempre que alguém sofre uma condenação, a pena aplicada pode vir a atingir, indiretamente, pessoas estranhas ou ligadas ao apenado, embora não relacionadas com o evento delituoso. Exemplos disso são os parentes ou cônjuges do condenado, quando o mesmo não puder garantir o sustento da família enquanto se encontrar preso, ou mesmo quando não puder efetuar o pagamento de eventual pena de multa. Da mesma forma ocorre com a pessoa jurídica. A penalidade a ela imposta afetará de alguma maneira os seus sócios e empregados e até consumidores e fornecedores, sem que isso implique em violação à regra constitucional. Não se pode deixar de lembrar que o referido dispositivo trouxe uma exceção à regra da não transposição da pena, consubstanciada na extensão, aos sucessores do condenado, do perdimento de bens. Ademais, independentemente da teoria que se adote para definir a natureza jurídica da pessoal moral (da ficção, da realidade objetiva ou da realidade jurídica), é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva. Não obstante alguns obstáculos a serem superados, a responsabilização penal da pessoa jurídica é um preceito constitucional, posteriormente estabelecido, de forma evidente, na Lei ambiental, de modo que não pode ser ignorado. Dificuldades teóricas para sua implementação existem, mas não podem configurar obstáculos para sua aplicabilidade prática, na medida em que o direito é uma ciência dinâminca, cujas adaptações serão realizadas com o fim de dar sustentação à opção política do legislador. Desta forma, a denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para determinar o recebimento da denúncia também com relação à empresa A. pela prática de delito ambiental. É como voto?.

Notas:

(1)     Cf. MIR PUIG, S. Derecho penal: parte general, cit., p. 97.

(2)     Sobre os sistemas inglês e francês cf. PRADO, L. Régis. Curso de Direito penal brasileiro, cit., p. 228 e ss.

(3)     No mesmo sentido cf. PRADO, L. Régis. Curso de Direito penal brasileiro, cit., p. 239.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, secretário-geral do Ipan – Instituto Panamericano de Política Criminal, consultor e parecerista, fundador e presidente da Rede LFG Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes (1.ª Rede de Ensino Telepresencial do Brasil e da América Latina – Líder mundial em cursos preparatórios telepresenciais – www.lfg.com.br)

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