Responsabilidade civil do médico: o erro de técnica como excludente de responsabilidade

É tema de extrema expressão em nosso ordenamento a responsabilidade civil. Na verdade o nascituro desta preocupação está jungida à idéia atual de sociedade e de Estado de Direito. A responsabilidade constitui-se como mecanismo de equilíbrio de relações entre os entes naturais e jurídicos que compõem a sociedade.

A responsabilidade médica tem-se tornado objeto de diversas discussões que muitas vezes, são coroadas de exageros e de desinformações, umas acidentais, outras provocadas. A título apenas de informação, nos EUA, em 1970 (há 30 anos) 1/4 dos médicos respondia a ações de reparação de danos (cf. Wanderby Lacerda Panasco, A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos, Forense, Rio, 1984, 2ª ed.). No Brasil, que conta hoje com 262.891 médicos atuantes, sendo que deste número, 13.218 estão no Paraná, fazendo uma média de 696 habitantes por médico (cf. www.cfm.org.br), não se tem dados oficiais, mas se observa um crescente número de ações judiciais contra médicos, no que colabora o caos da saúde – estamos na escala mundial classificados em 125.º lugar segundo OMS – e a forma como vem sendo tratado o assunto pela mídia. À contribuir, a reação inadequada do próprio profissional da medicina e de seu órgão de classe, que tem criado por vezes uma indisposição social que atrapalha o equilíbrio das relações (cf. Um guia para esconder o erro, Revista Veja, 03.03.1999). Não podemos olvidar que o erro será sempre exceção, será sempre episódico. Um tratamento inadequado do tema pelas partes envolvidas (médicos, juristas, mídia e sociedade) pode levar a projeção de uma mancha sobre toda uma classe e afetar a imagem de uma instituição. Neste panorama surge o erro médico que, causando dano, gera o dever de reparar. Toda responsabilidade profissional deve ser auferida mediante o cauteloso exame dos meios por ele empregados. Em medicina, há casos semelhantes, mas não idênticos, até porque não existem seres humanos iguais. Como no Direito, em Medicina há várias teorias, correntes, metodologias e escolas diversas que produzem uma realidade complexa e difícil de apurar na zona da responsabilidade civil.

A cooperar, ainda não se produziu na doutrina a clareza e a solidez devida ao conceito de erro médico. Mas uma distinção é pacífica: erro de técnica não se confunde com erro médico. O primeiro seria o erro profissional, que nos dizeres de Rui Stoco ocorreria “quando a conduta médica é correta, mas a técnica empregada é incorreta. Significa que o médico aplica corretamente uma técnica ruim para aquele caso” (in Tratado de Responsabilidade Civil, RT, SP., 5ª ed., 2001, p. 399). Essa “técnica ruim” para o caso deve ser conhecida, usual e aceita. Como ilustração, podemos lembrar os casos de litíase biliar, onde se faz necessária a cirurgia para a retirada da vesícula biliar. Há reconhecidas e pacíficas duas técnicas das quais pode lançar mão o profissional da saúde: uma seria a vídeo-laparoscopia, em que se utiliza o vídeo-laparoscópio que permite a produção de pequenas incisões e a outra seria a laparoscopia a céu aberto, em que a ferida cirúrgica é maior. O segundo seria a imperícia, ou seja, quando o médico aplica mal uma técnica boa. A conduta do médico tem-se incorreta, inadequada, desastrosa. A imperícia, do latim imperitia, de imperitus – ignorante, inábil, entende-se como na inabilidade para a prática do ato ou serviço. Segundo De Plácido e Silva a imperícia é o erro próprio aos profissionais ou técnicos, de cuja inabilidade se manifestou (in Vocabulário Jurídico, Forense, Rio, 18.ª ed.,2001, p.412). Caso seria, se, optando o profissional pela vídeo-laparoscopia manuseasse o aparelho com inabilidade, ou, se optando pela laparoscopia a céu aberto, não observasse a forma de proceder. Ao juiz, segundo o grande mestre Yussef Said Cahali, “é defeso, por não ser de sua competência, pronunciar-se sobre esta ou aquela escola, optar por esse ou aquele método operatório” (in Responsabilidade Civil, São Paulo, Saraiva, 1988,p.348). Juntamos um exemplo de manifestação jurisprudencial: Indenização – Médico – Obrigação de meio e não de resultado – Inexistência, ademais, de conduta culposa do réu – Escolha do melhor método que deve ficar a cargo do profissional – RNP (TJSP – Matéria: Indenização – Responsabilidade Civil – Recurso: AC177280 1 – Piracicaba – Órgão: CCIV 7 – Rel. Souza Lima – 11.11.92). Assim, se feita uma laparoscopia a céu aberto, com proceder correto, não há que se condenar um médico, por achar que deveria fazer uma vídeo-laparoscopia, pois o pós operatório seria mais rápido ou, com menor predisposição a infecção. A vedação de pronunciar-se pela escolha do método haveria razão em que o profissional à habilitar-se para o exercício da profissão teria como pré-requisito o conhecimento específico exigido para atividade. De mais a mais, é matéria afeta ao expert e não ao jurista.

Contudo, é matéria de difícil apuração. Nesses casos, posicionamos nos termos admitidos por Rui Stoco “nos casos controvertidos ou duvidosos, o erro profissional não pode ser considerado imperícia, imprudência ou negligência” (op. cit. p. 399). Na dúvida, não se pode condenar o médico.

Rogel Martins Barbosa

é advogado. rogelbarbosa@bol.com.br

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