(Re)pensando o modelo legal de associativismo no Brasil

Num trabalho clássico intitulado “A Dupla Crise da Pessoa Jurídica”, em 1979, o professor J. Lamartine Corrêa de Oliveira já chamava atenção a respeito do problema da pessoa jurídica no direito brasileiro, que não comportava a totalidade das realidades consideradas. Nesse sentido, a atualidade das idéias que foram formuladas pelo autor, à época, são reveladoras e podem servir como ponto de partida para o debate hodierno em torno da discussão jurídica acerca das formas coletivas de organização, especificamente das associações de trabalhadores rurais.

É a partir da segunda metade da década de 80, fora dos marcos tradicionais dos sindicatos de trabalhadores, que emergem os movimentos sociais camponeses no Brasil, que podem ser aproximados daqueles “novos movimentos sociais” descritos por Hobsbawm em “A Era dos Extremos” (1995), portadores de uma identidade coletiva, como é o caso do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), no Estado do Acre, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Pará ou mesmo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) aqui do Paraná.

“Ultrapassada” a fase mais conflitiva desse processo de disputas, esses segmentos sociais passaram a se organizar, organizando a produção e comercialização, enfrentando os chamados “atravessadores” para colocarem seus produtos diretamente no mercado. Para isso adotaram as formas legais de organização coletiva previstas no ordenamento jurídico. Assim, no Brasil, diversas experiências surgem nos mais diversos locais, adotando o formato associação, cooperativa ou mesmo microempresa, a despeito de que esses segmentos os quais estamos nos referindo terem uma particularidade própria de organização e objetivos distintos, que privilegiam aspectos referentes à garantia de sua reprodução social, isto é, onde o fim não se encontra pautado no lucro. No caso, a falta de opção legal que pudesse estar em acordo com a organização e objetivos desses segmentos os obrigaram a se “enquadrar” nas molduras previstas, imprimindo as suas organizações as exigências legais para se estabelecerem, reproduzindo mecanismos e formas alheias à constituição do próprio segmento, que poderia levar ao estabelecimento de disputas e conflitos internos não havidos anteriormente.

A incompatibilidade do formato legal e a realidade vivenciada por esses segmentos sociais colocam em questão os problemas em torno da pessoa jurídica no direito brasileiro, que não comporta as diversas situações existenciais. Nesse sentido, faz-se necessária a retomada do debate acerca dos problemas das formas de organização coletiva disponíveis no nosso ordenamento jurídico, como observou a sua maneira o professor J. Lamartine Corrêa de Oliveira, a fim de que se possa identificar e responder às diversas situações, sem distorcer a constituição do próprio segmento social, em consonância com a constituição de nossa própria sociedade, de natureza plural e pluriétnica.

Joaquim Shiraishi Neto

é advogado, doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná, participante do Núcleo de Cooperativismo, Associativismo e Autogestão do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná.

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