Reforma e ideologia

Existem fundadas desconfianças de que, por detrás do movimento dos sem-terra, existem motivações ideológicas. E que suas lideranças não objetivam a reforma agrária, mas sim o uso da luta por essa causa para obter a conquista do poder, legal ou ilegalmente, não importa. Os movimentos pró-reforma agrária já não se resumem ao MST. Outros movimentos existem e agem conjunta ou paralelamente. Os métodos se assemelham. Invasões de terras privadas e públicas, improdutivas e também produtivas. Invasões a prédios públicos, bloqueamento de estradas e, mais recentemente, tomada de postos de pedágio, captando a simpatia dos caminhoneiros, que lutam contra as altas taxas de pedágio.

Desconfia-se que esses movimentos já não movimentam apenas massas de sem-terra, mas também desempregados urbanos e outros carentes. Usam um fértil e crescente caldo de cultura que absorve com facilidade suas ideologias.

A lei? Ora, a lei… Enfrentam a legislação brasileira de direito de propriedade. Desobedecem as ordens judiciais de manutenção ou reintegração de posse. E têm, em muitos casos, a conivência das autoridades que devem fazer valer interditos ou reintegrações ordenados pelo Judiciário.

Oficiais de Justiça e forças policiais são impotentes. Esbarram nos pudores ou conivência de governadores, que descumprem as ordens judiciais. Na semana passada, pela primeira vez um presidente da República recebeu as lideranças do MST. Foi uma honra para estas e uma cortesia de Lula. Houve brincadeiras, o chefe da Nação pôs na cabeça o boné do movimento e, afinal, prometeu tentar assentar, neste ano, sessenta mil famílias. O MST pediu o dobro e não interrompeu as invasões. O governo não tem recursos orçamentários para fazer a reforma agrária.

Existem reações ao que está acontecendo. Entre os grandes fazendeiros, há contratação de guardas armados para as fazendas, instruídos para receber à bala os invasores. Nas duas casas do Congresso iniciam-se processos de constituição de comissões parlamentares de inquérito sobre o MST e movimentos similares. E Lula foi duramente criticado por usar o boné do MST, como se fosse um de seus integrantes. Exagero, pois como presidente de todos os brasileiros não fez mais que um gesto de agrado àqueles a quem concedera audiência e que lideram o movimento e de simpatia por uma reforma agrária, que sabe o governo precisa patrocinar. Patrocinar, mas de forma pacífica e legal, não tolerando os abusos e a violência que vêm acontecendo.

É certo que as comissões de inquérito, no parlamento, serão muito úteis para dissecar os movimentos pró-reforma agrária, procurando decantar o que há de meramente ideológico neles, com objetivo de tomada do poder por esquerdas extremadas, que manipulam as massas de excluídos, às quais prometem um pedaço de chão para plantar. É indubitável, também, que aquelas famílias de sem-terra ou pobres desempregados urbanos que a elas se unem, e que vemos todos os dias na televisão ou nas fotos de jornais e revistas, precisam ser incluídas na sociedade organizada, recebendo os benefícios da justiça social. Têm direito às terras que reivindicam. Mas, antes de mais nada, têm direito a trabalho, ganhos, assistência à saúde, educação para seus filhos, teto para morar e ter o que comer.

O fato de identificarem-se motivos ideológicos nos movimentos dos sem-terra não anula seus problemas. Antes, pelo contrário, faz mais urgentes as soluções.

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