Reforma do Estado Brasileiro (II)

Com o rigor necessário, ainda não foi possível discernir no conjunto de causas nacionais e efeitos políticos – ou melhor, de correlações político-econômicas interativas – como foi planejada a ação e qual a forma de tratamento decidida pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para desancorar o governo brasileiro do “deck” montado pelo “Grupo Globulista” que o dirigia até 2002.

Em realidade, de determinado ponto de vista, trata-se de o mesmo reduzido Estado brasileiro prosseguir em projetos diretivos e suas ações programáticas, como funções da “possível governabilidade” de um contrato assumidamente neoliberal dos governos Fernando Collor de Mello a Fernando-Henrique Cardoso.

De outro ponto de vista, pensa-se em reorganizar o Estado reprogramando o governo, sem faltar e/ou renegar compromissos de contas públicas assumidas. Isso se houver meios e agentes para e como mudar e/ou corrigir os rumos anteriormente fixados pelos agentes internacionais do neoliberalismo… E há, mas sem dor?

Entretanto, a maioria da nação, tirante uma intelligentsia cosmopolita a serviço do capitalismo tardo, está convencida de que a palavra é mudar e não apenas corrigir, pois as funções públicas não devem ser entregues à iniciativa privada; e há que resgatar suas prerrogativas e funcionamentos. Pelo menos assim os agentes sociais mais expressivos vêm afirmando desde que viemos adotando e tentamos consolidar, apesar do golpe de Estado de 1964/86, um projeto nacional auto-sustentado chamado Brasil.

Ainda nos começos do governo Lula da Silva não se tem idéia de quem e quantos no comando governo-partido ou partido-governo estão empenhados numa estratégia política de mudanças governamentais e estruturais para atingir objetivos e metas novos – e quais seriam eles a curto, médio e longo prazo (estes dois, se houver partido e vontade política!). E quantos “socialistas”, “social-democratas” e outros “social-liberais” estão à caça de representação política e comissão pública; tão-somente.

Todavia, “numa análise concreta da situação concreta” não devemos esquecer que o PT encabeça o governo da União, de poucos Estados e municípios, e tem representações significativas porém minoritárias no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais. Não é decisório nas políticas nacionais, estaduais e municipais; apenas orientador e/ou instrumentador.

Infelizmente, o debate eleitoral não havia logrado esclarecer; sequer fixar, rumos mais nítidos para os programas políticos no Estado brasileiro, que se tornou não “minimalista” (o que é um eufemismo), mas sim atrofiado.

E assim não restou claro se mudar ou corrigir está na pauta de debates; ou, perigosamente, se se formaram consensos de uma idéia ou outra, sem que o próprio Partido dos Trabalhadores tivesse ciência do que vai agora avalizando. E daí então um “centralismo democrático” no PT lhe dá um ultimato, que não pode compreender inteiramente.

Não há dúvida de que houve atropelo na pauta e na discussão dos planos e programas do novo governo. E o que desfrutava um consenso social de apoio bastante amplo e uma expectativa até positiva dos produtores em geral e até do empresariado industrial – tão acostumado às sinalizações e simbologias do progresso tecnológico e da internacionalização da economia – passou a se conturbar em controvérsias diversionistas.

Ficou evidenciado que o Partido e até suas lideranças nos Estados não foram convidados à discussão exaustiva da “praticabilidade governamental” com o novo desafio da assunção do governo, ante as novas perspectivas anunciadas durante a campanha eleitoral e firmadas como compromissos com a nação brasileira. E isso é grave porque responsabiliza diretamente os assessores políticos diretos do Presidente da República, o coordenador político do Executivo, os líderes das bancadas federais e o presidente do PT por desprezarem a democracia política, interna e externa: do Partido, das classes sociais, das categorias profissionais e do eleitorado em geral; em favor de um “centralismo democrático” com ressaibos autoritaristas.

Para não ficar em teses quando predomina a confusão e a má-intenção, e também não ficar indagando por que e como os estrategistas da intimidade de Lula – Palocci, Mantega, Dulci, José Dirceu e Genoíno (e outros da “inteligência invisível”) – não planejaram eficientemente a articulação de “uma superestrutura em reforma econômica e institucional” onde coubessem não só as vontades políticas e os poderes reais da República como também as necessidades sociais, de excluídos e incluídos; contemplando também desejos e ânsias dos dedicados funcionários de carreira e de agentes do Estado em geral, tentemos alinhar alguma proposições:

A. Se é verdade que um tradicional – e talvez necessitado de revitalização – funcionalismo de Estado tem na qualificação técnico-educacional e na dedicação exclusiva a sua atividade e destino; devemos assegurar-lhes as melhores condições de trabalho e carreira, bem como de aposentadoria atualizada. Sem dúvida, deva ser integral agora e parcializada somente depois com alguma complementação a ser voluntariamente adotada, além do teto garantido pelo governo.

Estariam nessas condições os servidores da Justiça, da Segurança – pública e institucional – da Saúde, da Ciência e da Educação públicas.

Os demais servidores poderiam ter um teto menor, ainda diferenciado, mas, “infelizmente” de igualdade trabalhista e subordinação social.

B. Uma política governamental pela recuperação e reorganização do Estado-agente necessariamente deve fundar-se no apoio político das classes trabalhadoras, no apoio produtivo e político das categorias profissionais técnicas e culturais, no apoio de todas as classes de produtores, e no apoio eleitoral das massas despossuídas, desvalidas em busca da cidadania (que, se estas ficam em último lugar nos critérios políticos, é porque lamentavelmente as prioridades se fixam em assegurar maior valor social na produção e premiar seus agentes!).

Todavia, herdando um “Estado pronto”, quer dizer encaminhado pelos valores e políticas burguesas, socialmente elitista e economicamente concentracionista de poderes e privilégios, o processo de mudança obriga a uma transição, que já deveria estar pelo fim, compartilhando as novas funções do Estado com “a manutenção do modo de produção” (desejando-se preservar a liberdade e o regime produtivo capitalista…).

C. Continuarão a ser feitas as demandas dos segmentos sociais que lutam por seus direitos nesta sociedade e procuram ampliá-los em “nosso modelo democrático”. E então, o problema de compreender a totalidade social e política fica como desafio para a intelligentsia e para os intelectuais orgânicos das classes e estamentos sociais.

Ao PT não faltam qualificações para definir objetivos, caminhos e meios para o governo, que ainda tem e terá a responsabilidade de levar esse acordo nacional de classes a um nível mais coerente e justo. O que parece ter faltado foi o exercício democrático, ou, falando com mais rigor histórico, uma boa “linha de massas”.

* Walmor Marcelino

é jornalista.

Voltar ao topo