Reforma da Previdência como ela é

A disputa no interior do governo entre a área social e a equipe econômica a respeito do conteúdo da reforma da Previdência foi decidida pelos governadores, com o apoio do presidente Lula, em favor dos condutores da política econômica, apesar da discussão e da redação do texto oficial ter sido de responsabilidade da equipe do Ministério da Previdência. Infelizmente, prevaleceu o viés fiscal.

A proposta unifica as regras de concessão de benefícios, limitando a cobertura no regime próprio ao teto do regime geral, a cargo do INSS; adota previdência complementar para a parcela da remuneração superior ao novo teto, de R$ 2.400,00; institui contribuição sobre os atuais aposentados e pensionistas; revoga as regras de transição da Emenda Constitucional n.º 20/98; e promove um ajuste sobre os servidores civis das três esferas de governo (federal, estadual e municipal), de um lado aumentando receita, e, de outro, reduzindo despesa.

Os atuais servidores, caso a proposta seja aprovada sem modificação: a) perdem o direito à aposentadoria proporcional; b) terão seus proventos calculados a partir da média de contribuições, desconsiderando, para efeito de aposentadoria integral, o tempo trazido do setor privado e de celetista no serviço público; c) só poderão requerer aposentadoria após 35 anos de contribuição, se homem, e 30, se mulher, e, desde que cumpram o requisito da idade mínima; d) terão a idade mínima aumentada para 60 e 55 anos, respectivamente, homem e mulher, permitindo sua antecipação a partir de 53 e 48, com redutor de 5% por cada ano; e) serão submetidos a um redutor de pelo menos 30% nas pensões do serviço público, inclusive para os proventos abaixo do teto; f) ficam sujeitos ao teto de remuneração no serviço público, tendo como parâmetro, no plano federal, o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal, e nos estados e municípios, o salários dos governadores e prefeitos, valendo estas regras para servidores ativos, aposentados e pensionistas, e g) passarão a contribuir sobre suas aposentadorias e pensões na parcela acima do teto do INSS.

Para os atuais servidores, portanto, a proposta, sem qualquer transição, aumenta a idade mínima em sete anos para os servidores em geral (de 48 para 55, se mulher, e de 53 para 60, se homem) e em dois anos para os professores do ensino infantil, fundamental e médio (de 48 para 50, mulher, e de 53 para 55, homem).

Um exemplo poderá ilustrar melhor o significado da reforma para os atuais servidores. Imaginemos um servidor que ganhe R$ 6.000,00 de remuneração, tenha 52 anos de idade e 33 anos de serviço público, sendo os 20 primeiros anos como celetista e, portanto, vinculado ao INSS, e os treze restantes de regime próprio dos servidores, em razão de sua transferência compulsória para este regime em 1990.

Pelas regras atuais, esse servidor poderia requerer sua aposentadoria proporcional assim que completasse a idade mínima de 53 anos, quando então estaria com 34 anos de contribuição, fazendo jus a um benefício de 90% de sua última remuneração, ou esperar mais dois anos e se aposentar integralmente com 36 anos de contribuição, já incluindo o pedágio, e 56 anos de idade.

De acordo com a proposta, esse servidor deveria se aposentar aos 60 anos de idade e 39 de contribuição, mas se resolvesse antecipar sua aposentadoria para os 54 anos, quando então teria alcançado os 35 anos de serviço público, seu provento seria de R$ 2.424,39, correspondente aos R$ 3.463,42, apurados da forma abaixo, menos os 30% de antecipação, 5% por cada ano até os 60, isto sem considerar os 11% que serão cobrados sobre aquele valor a título de contribuição de inativo.

O cálculo é feito da seguinte forma: 20/35 avos de R$ 1.561,00, atual teto do INSS, o que daria R$ 892,00, e 15/35 avos de R$ 6.000,00, o salário atual do servidor, o que daria R$ 2.571,42, os quais somados chegam aos R$ 3.463,42, menos os 30% dos cinco anos de antecipação, resultando na importância de R$ 2.424,39. Portanto, depois de descontada a contribuição de inativo, menos de 60% da remuneração.

Os futuros servidores, de acordo com a proposta, terão cobertura pelo regime próprio apenas até o teto unificado, que será de R$ 2.400,00, podendo aderir à previdência complementar, caso queiram benefício com valor superior a esse teto. Só poderão se aposentar com 60 anos de idade, se homem, e, 55, se mulher, desde que tenham respectivamente pelo menos 35 e 30 anos de contribuição.

Já quem está em gozo de benefício ou preencheu todos os requisitos para usufruir o benefício de aposentadoria, proporcional ou integralmente, irá contribuir para o regime próprio com o mesmo percentual do servidor em atividade, incidindo essa cobrança sobre a parcela da remuneração que exceda a R$ 1.058,00.

A obsessão dos idealizadores da proposta por aumento de receita e corte de despesas no regime próprio dos servidores é de tal ordem que impõe redutor e cobra contribuição sobre benefícios de risco, como pensão e aposentadoria por invalidez, com valores inferiores ao teto do INSS, numa discriminação em função do vínculo empregatício, já que no setor privado esses benefícios são imunes a qualquer redutor ou contribuição.

A reforma da Previdência – que é necessária para corrigir distorções, equilibrar o sistema e promover inclusão e justiça social – poderá ser vista como mero ajuste fiscal sobre os servidores públicos, em face dos excessos propostos na ânsia de aumentar receita e reduzir despesas. É lamentável que o governo federal, para agradar ao mercado e atender aos governadores, tenha trilhado o mesmo caminho de seus antecessores, propondo uma reforma que prejudica servidores em véspera de requerer aposentadoria.

Antônio Augusto de Queiroz

é jornalista, analista político e diretor de documentação do Diap.

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