Reflexões sobre a posição social da mulher e no mundo do trabalho

O Dia Internacional da Mulher foi estabelecido a partir da Conferência de Mulheres da II Internacional Socialista, realizada na Dinamarca em 1910, quando Clara Zetkin propôs que se consagrasse a data em solidariedade e memória às lutas das mulheres trabalhadoras, em especial do famoso episódio de 1857 quando, durante a greve das tecelãs norte-americanas, houve dura repressão policial, culminando com a morte de centenas de operárias, muitas vítimas de incêndio criminoso na fábrica onde trabalhavam. Em 1975, a Organização das Nações Unidas decretou o 08 de março como Dia Internacional da Mulher, na mesma linha de homenagem às lutas e trabalho das mulheres. Sobre o papel social da mulher e no mundo do trabalho, voltemos à referência histórica para balizarmos o avanço sobremodo fundamental ocorrido no século X

Friedrich Engels publicou em 1884 o livro “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, um dos estudos mais importantes sobre a história da família. Na introdução da segunda edição desse livro, em 1891, Engels faz referência ao estudo de Johann Jakob Bachofen sobre o Direito Materno, no qual estão formuladas várias teses, entre as quais destacamos: a) primitivamente, os seres humanos viveram em promiscuidade sexual; b) estas relações excluíam a possibilidade de estabelecer a paternidade e a filiação somente podia ser contada pela linha feminina; c) as mulheres, como mães, únicos progenitores conhecidos das novas gerações, gozavam de grande respeito, chegando até mesmo ao domínio feminino absoluto (ginecocracia).

Examinando o estudo de Bachofen, Engels adotou algumas conclusões assinaladas na introdução de seu livro, como, por exemplo: “portanto, primitivamente, não se podia contar a descendência senão por linha feminina, quer dizer: de mãe a mãe; que essa validez exclusiva da filiação feminina se manteve por muito tempo, mesmo no período posterior de monogamia, com a paternidade já estabelecida, ou, pelo menos, reconhecida; e, por último, que essa situação primitiva das mães, como únicos genitores certos de seus filhos, lhes assegurou, bem como às mulheres em geral, a posição social mais elevada que tiveram desde então até os nossos dias”.

A antropóloga norte-americana Karen Sacks, na década de 70, elaborou estudos sobre as teorias de Engels a respeito da posição social da mulher nos tempos primitivos e antigos, publicando o texto “Engels revisitado: a mulher, a organização da produção e a propriedade privada”. Uma de suas análises situa a questão da mulher nos termos sociais, já diante da evolução de uma ordem tribal igualitária, onde a mulher predominava, para a decadência desse poder, afirmando: “A “Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1891) é mais do que uma análise do status feminino, é um contraste entre sociedades sem classe e sociedades de classes. Colocada num contexto evolutivo, mostra como a propriedade privada originou a destruição da ordem tribal igualitária, criando as famílias como unidades econômicas, de posse de propriedades desiguais e, finalmente, sociedades de classes exploradoras. Diante destes dados, fica claro que a posição social feminina decaiu à medida que a propriedade privada ganhava forças como um princípio ordenador para a sociedade. Configurada nisto está uma análise do porque da propriedade privada ter este efeito; especificamente como ela transformou a organização do trabalho feminino e genericamente, a relação de propriedade em classes e sexos”.

Por outro lado, a antropóloga Joan Bamberger, da Universidade de Harvard, também publicou estudo na década de 70 sobre “O Mito do Matriarcado: Porque os Homens Dominavam as Sociedades Primitivas?”, referenciando que: “Sem dúvida o interesse do público nos matriarcados primitivos tem sido reativado. Repentinamente, artigos de revista e livros aparecem testemunhando o “Governo Feminino” anterior, assim como um estilo de vida arcaico que se presume, difere radicalmente do nosso. Como os sistemas matriarcais nos dias de hoje, não existem em parte nenhuma, e como as fontes primárias que as relatam estão totalmente em falta, tanto a existência como a constituição de sociedades dominadas por mulheres, podem ser apenas presumidas. No entanto, a falta desta documentação não tem sido empecilho aos estudiosos e leigos que vêem no conceito do matriarcado primitivo a base lógica para uma nova ordem social, na qual as mulheres podem e devem adquirir o controle de papéis políticos e econômicos importantes”.

Podemos, assim, resumir: a) Mesmo que o período histórico em que a mulher tinha posição social de poder, especialmente pela filiação através da linha materna, não possa ter comprovações de suas fontes primárias, todos os relatos dos estudiosos conduzem ao reconhecimento do papel exercido pela mulher quando em posição de poder, é fundamental para a análise do papel social que a mulher desempenha nos dias atuais; b) Simone de Beauvoir questiona a necessidade da reavaliação dos papeis sociais dos homens e mulheres e de sua importância atual: “Pergunta-se: como tudo começou? É fácil verificar que a dualidade de sexos, como qualquer dualidade, gera conflito. Sem dúvida, o vencedor assumirá o status de absoluto. Mas por que o homem teria vencido desde o início? É possível que as mulheres pudessem ter obtido a vitória, ou que o resultado do conflito nunca pudesse ter sido resolvido. Então, como é que o mundo sempre pertenceu aos homens e que essa situação só recentemente começou a mudar? Será essa mudança boa? Ocasionará uma divisão do mundo em partes iguais, tanto para os homens quanto para as mulheres?”; c) Se a mulher, em tempos primitivos e antigos, possuía o poder social principal e foi, então, a característica marcante da evolução da sociedade, por que foi reduzida a um papel menos expressivo ou simplesmente passando de dominadora a dominada? Por isso, dizem as antropólogas Michelle Zimbalist Rosaldo e Louise Lamphere, nos Estados Unidos da América do Norte, que: “Os relatos do matriarcado das sociedades primitivas, certamente, têm a vantagem de propor que a desigualdade sexual contemporânea de forma nenhuma é natural. Pode-se até discutir que esta idéia de matriarcado se constitui num mito muito útil, um guia para a ação presente e isso é importante na medida em que nos impõe a imaginação de um mundo onde a mulher tenha real poder (Webster e Newton, 1972)”.

Acentuando o papel da mulher no século XX , é o historiador Eric Hobsbawn que, na sua obra “Era dos Extremos”, assinala as mudanças fundamentais ocorridas: ” Uma grande mudança que afetou a classe operária, e também a maioria de outros setores das sociedades desenvolvidas, foi o papel impressionantemente maior nela desempenhado pelas mulheres; e sobretudo – fenômeno novo e revolucionário – as mulheres casadas. A mudança foi de fato sensacional”. Em magnífica análise, o escritor inglês descreve o papel da mulher nas mudanças substanciais ocorridas no mundo do trabalho, na sociedade de um modo geral, nas relações entre os sexos, nas modificações na família e nas relações entre país, mães, filhos e filhas, na evolução dos costumes. No Brasil, esta revolução é fundamental na construção de nossa democracia, dado o papel essencial que a mulher vem tendo nas relações de trabalho, sociais, culturais e políticas.

Por isso, o Dia Internacional da Mulher tem sido comemorado não apenas visando a questão da luta pelos direitos da mulher, na igualdade de oportunidades e salários com os homens, mas no papel que desempenha na construção de um novo mundo, melhor, mais solidário, fraterno e igualitário.

Edésio Passos

é advogado, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-deputado federal(PT/PR). E.mail: edesiopassos@terra.com.br

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