Reflexões críticas do Direito do Trabalho: estudos em homenagem à dra. Moema Baptista

O livro da Editora LTr “Direito do Trabalho, Reflexões Críticas” foi publicado em setembro do ano em curso como homenagem à dra. Moema Baptista, reunindo estudos de grande atualidade. O objetivo da homenagem à dra. Moema Baptista, no ano das comemorações dos 25 anos de fundação da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), é, como assinala Celso Soares na apresentação, “o reconhecimento do valor, para a advocacia trabalhista e para a elaboração criadora e transformadora do Direito do Trabalho, da militância que não se resume ao cotidiano da profissão de advogado. O modo de ser de Moema Baptista, ativo e participante, transcende as contendas judiciais, vai às origens das injustiças para combatê-las antes de se transfigurarem em litígios, ao encontro das relações sociais positivadas em norma jurídica e mais ainda: daquelas não reconhecidas pela ordem jurídica – e portanto consideradas marginais ou inexistentes – a fim de abrir caminho para o seu reconhecimento. Moema Baptista encarna a negação do formalismo. É um símbolo da práxis necessária à criação e transformação do direito; por isso foram reunidos nesta publicação ensaios de juristas e advogados portadores de pensamento crítico”.

Quando conheci a dra. Moema Baptista, no ano de 1978, no I Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas, em Porto Alegre, a sua militância profissional, social e política já se caracterizava pela contundente crítica ao regime militar então vigente, pelo árduo trabalho de resistência e na luta pelas liberdades democráticas. Esse traço libertário é de família. Seu tio, Demisthoclides Baptista, o “Baptistinha”, foi líder ferroviário, deputado estadual, exilado em Montevidéu de 1964/66, posteriormente seqüestrado, preso, torturado. Moema honra essa tradição de luta, marcando sua militância pelo posicionamento político transformador, em especial no campo do Direito do Trabalho, através da ação que congrega as pessoas em torno de objetivos profissionais e associativos de profunda feição social.

A juíza Salete Maccalóz afirma em seu texto: “Moema não é só uma advogada trabalhista. A par de todos os seus predicados pessoais, é uma trabalhista por inteiro, tudo o que diz respeito ao trabalhador (todos eles) lhe interessa e cuida com paixão…”. Paixão é o termo certo, porque Moema sempre se entrega às tarefas que propõe e que recebe com dedicação e afeto.

A homenagem de seus companheiros e companheiras de luta, através de um livro de reflexões críticas ao Direito do Trabalho, é coordenada por Celso Soares, um dos nossos juristas de melhor visão histórico-dialética, refletida no seu estudo “Reforma ou desestruturação”, um dos pontos fundamentais da obra. Já Arnaldo Sussekind escreve um texto magistral sobre os “Reflexos da globalização da economia nas relações de trabalho”, cabendo ao saudoso professor José Martins Catharino indicar os “Freios ao exercício abusivo de recurso no Processo do Trabalho”, enquanto o jovem mestre Estevão Mallet apresenta “Algumas considerações sobre a sentença no procedimento sumaríssimo”.

Clair da Flora Martins, ex-presidente da Abrat e hoje deputada federal paranaense, analisa criticamente a “reforma laboral neoliberal”, no que é respaldada, na mesma linha, pelo dr. Nilton Ribeiro, presidente da Abrat, no seu excelente relato sobre a “Flexibilização e Autonomia da Vontade”. Seguem-se o estudo do magistrado argentino Capón Filas sobre o Mercosul, a análise sobre o recurso de revista pelo juiz do trabalho Gérson Lacerda Pistori, as considerações da dra. Sílvia de Miranda Mourão sobre categorias diferenciadas e representação profissional, as críticas sobre as Comissões de Conciliação Prévia pela advogada Bernardete Kurtz prenunciando “o início do fim da Justiça do Trabalho”, e o oportuno texto da juíza federal Salete Maccalóz sobre “A finalidade da Previdência Social”.

Fomos honrados com o convite para participar da obra, publicando estudo que se refere aos “Direitos dos Trabalhadores como Direitos Humanos e Sociais na América Latina”, em uma perspectiva abrangente desde a Carta da ONU, passando pela Carta da OEA e sublinhando a luta contra a desconstituição dos direitos dos trabalhadores. Finalmente, registre-se a bela carta assinada pelo dr. Luis Carlos Moro, ex-presidente da Abrat e recém-eleito presidente da Associação Latinoamericana de Advogados Trabalhistas, dirigida à advocacia trabalhista na pessoa da dra. Moema, onde o ilustre professor destaca: “Quando se designa advocacia trabalhista, posso substituir, sem pejo ou receio de equívoco, por “Moema Baptista”. Ela é daquelas criaturas cujas trajetórias de vida elevam-nas à condição de ícone, de símbolo”.

Nos estudos publicados, Celso Soares, analisa a reforma sindical e trabalhista, afirmando, com propriedade: “Não obstante, a mais importante das reformas consistirá em combater na raiz as causas do desemprego, do trabalho `precário’, da fragmentação, redução e extinção de categorias, do descumprimento contumaz da legislação trabalhista, da disseminação da `economia informal’, da exploração do trabalho, das desigualdades, dos baixos salários. Essa reforma, que vai além das que se planejam fazer na legislação e na Constituição Federal, resultará num sindicalismo fortalecido, pois que a fraqueza que hoje o acomete não pode ser debitada exclusivamente à unicidade, ao imposto sindical e ao poder normativo”. E ao analisar a reforma laboral neoliberal, a deputada federal e advogada Clair da Flora Martins enfatiza: “Impõe-se a preservação e ampliação dos direitos sociais, a ampliação do emprego por meio do desenvolvimento econômico e social, a redução da jornada de trabalho, e políticas de seguro-desemprego e compensatórias capazes de propiciar a sobrevivência dos trabalhadores enquanto desempregados”. São duas breves citações indicativas da qualidade dos textos apresentados que merecem leitura atenta e referenciada nos problemas que enfrentamos e na busca das soluções necessárias face a crise estrutural existente.

A dra. Moema Baptista é capixaba, advogada no Rio de Janeiro, cursou a Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, presidiu a Abrat de 1989/91, é patrona nacional dos advogados por decisão do XXII Congresso Nacional dos Advogados Trabalhistas realizado em Recife, no ano 2000, recebeu a medalha Sobral Pinto na XIV Conferência Nacional da OAB, tendo sido dirigente da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas e benemérita da Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas.

A publicação de uma obra pela nossa principal editora laboralista traduz o sentimento de afetividade dos advogados trabalhistas e de reconhecimento público e gratidão pelo amor que Moema Baptista tem dedicado a todos nós e à causa dos trabalhadores.

O advogado trabalhista

As Associações de Advogados Trabalhistas ramificaram-se pelo país, são coordenadas pela ABRAT, realizam anualmente encontro nacional para debate de teses e posicionamentos político-profissionais, estão presentes nos principais acontecimentos que envolvem a corporação e a vida nacional. Com o crescimento da economia capitalista, o desenvolvimento da legislação do trabalho e complementar, a solução judicial dos litígios trabalhistas, o alargamento da ação sindical, cresceu em número e qualidade a advocacia trabalhista, assim considerada tanto no campo da defesa empresarial como no setor laboral. A complexidade da vida profissional, aliada às dificuldades econômicas decorrentes da crise do capitalismo, face a uma superada estrutura judiciária, o grande número de profissionais e em constante elevação – apenas para citar alguns fatores – remeteram os advogados trabalhistas a uma situação limite, quer na luta pela sobrevivência, como pelo aperfeiçoamento técnico. Com isto, a presença social decresceu, o procedimento unitário de enfrentamento dos problemas está fragilizado e as entidades representativas necessitam de oxigenação. Estas questões são colocadas como provocativas para o debate em torno da advocacia trabalhista, hoje, mais do que nunca, submetida a desafios inauditos. Embora a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) esteja presente no processo da reforma trabalhista e sindical, é pequena a participação e pobre o debate dos advogados trabalhistas sobre esta temática de vital importância. A militância profissional está extremamente condicionada pelo cotidiano forense, dentro das inúmeras e profundas limitações que o cercam. Nenhum movimento de maior envergadura observou-se até o momento e não há linhas demarcatórias mais precisas sobre proposições a serem encaminhadas coletivamente. Por evidente que as contradições e diferenças existentes entre os advogados trabalhistas sobre os principais temas da reforma sindical e trabalhista possam dificultar ação melhor conjugada, mas deverão ser encontrados pontos comuns ou majoritários que ensejem um esforço neste campo. Historicamente, os advogados trabalhistas desempenharam papel fundamental na luta pelas liberdades democráticas, na Constituinte de 88 e na crítica ao processo neoliberal de desconstituição do Direito do Trabalho. Há, evidentemente, grande nomes da militância e liderança na advocacia trabalhista, nos quais reside a sustentação dessa linha histórica nos dias de hoje. Nesse rumo condutor, um ponto de partida para a aglutinação dos advogados trabalhistas está demarcado na recente proposta do Código de Defesa do Trabalhador, exposta na nota divulgada pela Abrat no momento da comemoração dos 60 anos da CLT. Acentua Nilton Corrêa, presidente da Abrat, que a CLT “tem de deixar de ser um conjunto de normas `do trabalho’, tanto pertinentes ao empregado, quanto ao empregador, para – acompanhando o teor constitucional – ser um “Código de Defesa do Trabalhador”. Nossa tarefa é a explicitação desse Código, adequado aos termos da Constituição Federal de 1988, neste momento de amplo debate reformista.

Edésio Passos

é advogado e integrante da Comissão Nacional do Direito e Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. E.mail: edesiopassos@terra.com.br 

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