Refém do mercado

Em um dos seus muitos – talvez excessivos – discursos, pronunciados todas as semanas e, não raro, todos os dias, o presidente Lula fez apelos para que não se permita que o Brasil seja refém do mercado. Pediu também calma, que devagar se vai longe, o que tem feito com freqüência para justificar a persistência dos grandes problemas nacionais que, antes de assumir, prometera resolver ampla e rapidamente. E queixou-se dos meios de comunicação, que estariam dando mais destaque às más notícias que às positivas.

Dessas recomendações, detenhamo-nos naquela em que pede que não sejamos reféns do mercado. Há, aqui e em todo o mundo, em especial nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, justas queixas contra efeitos maléficos da globalização. Estes devem ser combatidos e, se possível, exterminados. Mas é inegável que a globalização, maior ou menor, benéfica ou maléfica, existe e vai continuar. A interdependência dos países e de seus povos é um fato e não há como evitá-lo. O mundo de hoje é, de fato, uma aldeia global, tanto no campo da comunicação, quanto no de capitais, de produção e consumo e até em coisas menos importantes, como na moda.

Em uma de suas peças de teatro, Pedro Bloch colocou em um personagem o sentimento de se sofrer aqui, quando morre um gato na China. No contexto da peça talvez não quisesse referir-se à globalização, mas o fato é que neste processo, aqui influi o que acontece na China, no Oriente Médio, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos da América. O mercado, por mais maldosamente que aja, é irrepreensível. Não porque não erre, mas porque é uma figura amorfa, quase que abstrata, que não tem donos e, a rigor, nem comandantes, embora algumas pessoas e instituições nele influam decisivamente.

O J. P. Morgan acaba de rebaixar recomendações para aplicações no Brasil. Como administrador de investimentos volumosos de milhares de seus clientes, é de seu dever estar atento ao que se passa nos países receptores de aplicações financeiras e, não raro, as simples desconfianças fazem com que aumente, em sua régua de riscos, os que atribui a determinada praça. O risco-Brasil subiu assustadoramente na régua do J. P. Morgan e isto faz com que dinheiro que viria para o Brasil tome outro rumo. E dinheiro que aqui está, possa ir embora. Os títulos brasileiros que circulam no exterior perdem cotação ou ganham, conforme o risco-Brasil é medido pelas instituições especializadas ou investidoras, como o Morgan.

Se no Brasil verifica-se que o governo está aplicando pouco na infra-estrutura; que não controla as invasões de terras; que estouram escândalos no setor público ou que, no seio do governo, os próprios ministros não se entendem, aumenta o risco-Brasil, espalha-se a desconfiança. E mesmo que infundada, como afirma o nosso ministro Mantega, o dinheiro vai para outras plagas. Isso porque o Brasil não é o único tomador de empréstimos e investimentos diretos do mundo. Temos de disputar os capitais que migram pelo mundo global. No momento, há a possibilidade de que se dirijam para os EUA, onde os juros ameaçam subir.

Somos mesmo reféns do mercado e não há como disso escapar. O que é preciso é andar na linha, evitar os fatores e acontecimentos que provocam desconfianças ou mesmo boatos maliciosos a nosso respeito. E, o quanto possível, criar algum grau de independência deste mundo global. Mandar o mundo parar, para descer, é impossível.

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