Realidade chega antes da reforma trabalhista

Os números falam por si mesmos e escancaram uma realidade. A reforma trabalhista que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva promete para o próximo ano e que está sendo objeto de estudos por parte de uma comissão de sábios, já foi feita na prática. Por incúria de sucessivos governos, incapazes de perceber que a globalização mudou as relações trabalhistas a partir do início da década de 90, estamos agora correndo atrás de um fato consumado, na tentativa de ajustar a legislação trabalhista a uma reforma que a sociedade já fez.

Diante das dificuldades desencadeadas por um longo período de baixíssimo crescimento econômico e premidas pela insustentável carga tributária (36,5% do PIB), as empresas buscaram caminhos alternativos para fugir dos encargos sociais oriundos do registro em carteira. Resultado: o mercado de trabalho piorou, com o aumento da informalidade e a retração da renda mensal dos trabalhadores.

Essa realidade pode ser facilmente constatada com uma breve análise dos últimos números divulgados pelo IBGE. A taxa de desemprego se manteve estável em setembro (12,9%, contra 13% em agosto), mas aumentou 1,4 ponto percentual em relação a setembro de 2002, quando estava em 11,5%. No mesmo período, o número de pessoas ocupadas subiu 4,3%, o que, traduzido, re-presenta a criação de 772 mil novos postos de trabalho. Os números seriam contraditórios se não mostrassem a nova situação: desses novos postos, nada menos que 92,8% (716 mil) são sem registro em carteira de trabalho. Essa nova realidade, aliada à inflação do período, também fez despencar a renda dos trabalhadores – 14,6% em relação a setembro de 2002.

De uma vez por todas, é preciso enfrentar a nova realidade e flexibilizar a legislação. Chegamos a um ponto em que somente o governo e alguns sindicatos não percebem que a sociedade em geral – empregados e empregadores – urgem por mudanças imediatas, visando a uma verdadeira reforma trabalhista. Esta não deverá estar focada na perda de direitos trabalhistas, mas na liberdade de contratação, com o fortalecimento da terceirização e revogação imediata de um Enunciado do Tribunal Superior do Trabalho, que “veda” a terceirização em atividades fins das empresas.

O número de reclamações trabalhistas demonstra de forma clara que a sociedade está por si só fazendo a reforma trabalhista, mas de maneira desordenada, sem observar alguns direitos básicos do ser humano. Torna-se necessário proteger a integridade física dos trabalhadores, a saúde, o descanso, as normas de segurança. No trabalho informal, o governo deixa de arrecadar a contribuição previdenciária (INSS) e com isso acaba tendo mais prejuízo.

Precisamos entender que a sociedade mudou e já flexibilizou diretamente as relações de trabalho. Agora, cabe ao governo e ao legislador, mediante a edição de novas leis, adequar a nova realidade, já em vigor. Os trabalhadores urbanos estão cada vez mais buscando se agrupar em cooperativas para arregimentar trabalho, aumentar a renda e pagar o justo a título de tributos e encargos sociais.

Portanto, governo, Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e a própria Justiça do Trabalho precisam estar atentos para as mudanças que a sociedade já promoveu. Não existem mais postos de trabalho com registro em carteira de trabalho. Então, torna-se necessária a regulamentação dessa nova realidade.

O aspecto social precisa estar na frente do aspecto legal. Permitir que trabalhadores e empresas tenham maior liberdade de contratação, observando patamares mínimos de segurança, levará à diminuição do desemprego e da pobreza. A sociedade está farta de reformas alheias à realidade e, na maioria das vezes, voltadas a engordar os orçamentos dos governos de plantão.

Alvaro Trevisioli

é advogado especialista em Direito do Trabalho, consultor sobre cooperativismo, em São Paulo.

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