Reação às reformas

Nenhum brasileiro bem informado e de sã consciência pode ser contra as reformas, a menos que coloque seus interesses pessoais e imediatos acima do interesse público. E dos seus interesses próprios, porque também poderão ser prejudicados com o decorrer do tempo, se persistirem as estruturas arcaicas e onerosas atuais. O governo Lula tenta, aproveitando-se do entusiasmo inicial que se sucede à entusiástica campanha eleitoral e expressiva votação, reformar já. Fernando Henrique Cardoso tentou, não conseguiu e as reformas ficaram para as calendas.

A atual equipe de governo, no que tange a reformas complexas como a tributária, política, previdenciária, trabalhista, etc., sabe de sua necessidade e urgência, mas não é dona da verdade. Muito do que sugere ou propõe pode não ser o melhor. E a maior parte do que pretende contraria interesses de numerosos e muitas vezes poderosos grupos. Interessante observar que os aliados de ontem, sob a liderança de Lula, hoje aparecem como os principais obstáculos às reformas que tanto reclamaram de administrações anteriores.

É o caso, por exemplo, dos sem-terra, que já interromperam a trégua estabelecida com Lula. Antes, estavam ao seu lado. Hoje, mesmo confessando esperanças, não se pejam em ficar contra ele, fazendo invasões para forçar uma reforma agrária que a muitos parece mais um movimento revolucionário para derrocar o poder constituído, do que uma revisão adequada do sistema fundiário.

Também lideranças do funcionalismo, que sempre estiveram lado a lado com Lula e seu grupo, já começam a tomar posições críticas ou mesmo ameaçadoramente contrárias à reforma da Previdência. Os servidores públicos federais, estaduais e municipais podem entrar em greve como forma de protesto contra algumas medidas que estão sendo estudadas sobre o sistema previdenciário da categoria. Uma reunião da Nacional dos Servidores Públicos Federais aprovou indicativo de greve. O presidente da Associação dos Professores da Universidade do Paraná, Francisco Assis Marques, explicou que não é contra a reforma da Previdência. É, sim, contra como ela vem sendo discutida, colocando os servidores públicos como bois de piranha. Aí entra visão de inspiração ideológica, tantas vezes repetida pela oposição que hoje é governo. “Esta é uma reforma maléfica imposta pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial.”

Os servidores são contra o fim da aposentadoria integral, pois contribuem sobre ganhos integrais. Neste ponto, o governo pensa que “descobriu a América”, bolando a aposentadoria pelos ganhos líquidos. O que era desconto, com a aposentadoria não volta à folha de proventos do servidor. Especialistas, como Marcelo Viana Estevão de Moraes, secretário de Previdência Social no governo FHC e técnico indicado pela Confederação Nacional dos Aposentados para participar das discussões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, afirma que isso só pode ser feito para os servidores que ainda não pararam de trabalhar. Não pode atingir os atuais inativos. Assim, óbices legais, direitos adquiridos, situações consolidadas e amparadas em lei, interesses corporativos e pessoais e a posição paradoxal dos que ontem eram oposição e hoje são governo e vice-versa, fazem crer que as reformas podem vir, mas não como num mar de rosas nem na forma sonhada pelo governo Lula e antes detestada por ele mesmo e seus liderados. Oxalá tenhamos uma verdadeira reforma. Mas talvez venha aí uma meia-sola.

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