Radinho de pilha

E a gente, que pensava que o programa Fome Zero tivesse por objetivo apenas mitigar a fome das pessoas carentes, podia dormir sem essa: o ministro da Segurança Alimentar, José Graziano, acaba de dizer com todas as letras que no sacolão da caridade oficial entra também a concessão de emissoras de rádio. Sim, prezado leitor, emissoras de rádio comunitárias, já que o direito à comunicação (ou de ser comunicado) é um bem universal. E esta não é uma promessa: já está acontecendo. Guaribas, cidade-piloto do Fome Zero no semi-árido piauiense, já conta com uma rádio do gênero.

Não se sabe o que transmite. Nem se entre os hipotéticos ouvintes exista quem tenha aparelho receptor. Mas é provável que sim, já que sem um simples radinho de pilha a cidadania não seria completa. Inclua-se, portanto, no sacolão, pelo menos meia dúzia de pilhas. As alcalinas são mais caras, mas duram mais.

O que as comunidades carentes vão fazer com uma emissora de rádio? Isso não importa. É eles que devem decidir, estamos de acordo. Para o bem e para o mal. Ademais, segundo garante Graziano, “o comitê gestor escolhido pela própria população vai evitar que isso tenha uso político-eleitoral”. Além, é claro, de transmitir a Voz do Brasil, os programas eleitorais obrigatórios e, durante as campanhas, os debates dos candidatos. Uma rádio assim pode ser muito útil, inclusive para avisar sobre outras coisas que está fazendo o governo em benefício dos assistidos.

No pensamento de Graziano, uma rádio comunitária equivale à ação de um parlamentar. E pensando assim, ele entende que é necessário “priorizar essas pequenas cidades que não têm deputado, que não têm alguém que possa interceder por elas”. Uma pequena emissora dessas não será ouvida além do quarteirão vizinho, mas sempre fica a impressão de que alguém está intercedendo por alguém lá na capital do Estado ou, mesmo, em Brasília. Dependendo do agrado, deputados de outras cidades poderão até fazer presença nas vilas e vales dos sem-deputado. Nesse esforço pela “inclusão em todas as suas dimensões”, o ministro garante que já está tudo acertado com o Ministério das Comunicações, ao qual está afeto o problema das concessões de rádio.

Ninguém falou, mas a idéia de Graziano pode ter surgido depois que o Consea – Conselho de Segurança Alimentar sugeriu ao presidente Lula a inclusão do serviço de internet banda larga em cada comunidade agraciada com os benefícios do Fome Zero. Se internet, que exige telefone ou satélite, energia elétrica, computador e tudo, pode, por que não também uma emissora de rádio e… (ainda vamos chegar lá!) uma salinha de cinema? Nessa mesma linha de raciocínio seria bom ainda um hospital equipado para o que der e vier, uma escola, um supermercado, uma farmácia bem suprida, claro, tudo o que o homem moderno precisa para viver dignamente, incluindo uma casa que nada tenha a ver com esses barracos sem forro e sem piso, sem sofá e sem pelo menos chuveiro quente…

Ironias à parte, seria de se perguntar ao ministro Graziano o que mais ele imagina para completar o ciclo de “inclusão social em todas as suas dimensões”. Lula prometeu, de fato e solenemente, o mínimo: três refeições por dia. Paremos com os desvarios. Na arte de dar o peixe, estão enchendo a população carente de “necessidades” que nem ela um dia imaginou. Até porque alguém que não tenha o que comer dificilmente vai se preocupar com rádio e com internet banda larga. Com um emprego, sim. Um emprego digno e que dignifica o trabalhador. E este seria o maior empurrão do governo a qualquer vivente em busca da inclusão total. Troque-se, portanto, rádio por emprego e o problema está resolvido.

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