Questões sobre os turnos ininterruptos de revezamento

1. Introdução

Desde a vigência da nova Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, tornou-se um dos dispositivos mais polêmicos, na esfera do direito do trabalho, aquele que considera direito dos trabalhadores urbanos e rurais jornada de seis horas para o trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva (art. 7.º, inciso XIV).

2. A auto-aplicabilidade da norma constitucional

Constitui regra básica de interpretação que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. Não dependendo de regulamentação, as normas de direitos trabalhistas, e garantias fundamentais, tiveram efeito imediato a partir do primeiro dia do início da vigência da Constituição (art. 5.º, LXXVII, parágrafo 1.º). Nenhuma ressalva tendo sido aposta no inciso XIV do artigo 7 no sentido de regulamentação posterior por lei ordinária, exceto eventuais disposições ajustadas em negociação coletiva, considera-se-o auto-aplicável.

3. O que são turnos ininterruptos de revezamento?

Não é o simples fato de o empregado se submeter a diferentes jornadas de trabalho, em sistema de rodízio, que lhe assegura o direito à jornada de seis horas, mas a existência concomitante: a) do sistema de funcionamento da empresa em regime ininterrupto (permitida a paralisação normal em um dia por semana); e b) a sujeição dos trabalhadores a turnos de jornadas variáveis.

Os turnos são ininterruptos em relação à atividade econômica e de revezamento quanto ao trabalho profissional.

Portanto, garantem a jornada reduzida de seis horas, prevista no art. 7.º, XIV, da CF: a) a atividade da empresa desenvolvida em três turnos (manhã, tarde e noite); b) o revezamento de horário do empregado, que pode ser tanto diário, semanal, quinzenal ou mensal. Se o constituinte não ditou a periodicidade com a qual ele se revelaria, não cabe ao intérprete fazê-lo.

Ainda, o revezamento pode acontecer apenas em dois turnos, não necessariamente nos três (matutino, vespertino e noturno):

4. O intervalo diário e o descanso semanal

Não retira o direito à jornada de seis horas a existência de interrupção do trabalho dentro de cada turno ou semanalmente, seja porque entendimento contrário levaria à fraude, seja porque é obrigatória a concessão de intervalos na jornada sempre que superior a quatro horas diárias, seja porque o descanso semanal também constitui regra constitucional (art. 7.º, XV).

5. O trabalho noturno: adicional e redução da jornada

A jornada noturna reduzida, prevista no parágrafo 1.º do artigo 73 da CLT é compatível com a jornada de 36 horas semanais, eis que possuem naturezas jurídicas distintas. O primeiro benefício refere-se ao labor em turnos ininterruptos de revezamento. Se o obreiro trabalha abrangendo as duas situações, merece ser beneficiado duplamente, não se cogitando de bis in idem.

Portanto, empregado que trabalha em turnos ininterruptos de revezamento à noite tem direito à redução da jornada e ao adicional noturno.

6. O regime de compensação de jornada

A negociação coletiva referida no inciso XIV do art. 7.º da CF/88 permite, de fato, a alteração de jornadas, para mais ou para menos, mas em nenhum momento autoriza desclassificar-se da condição de extra o tempo que for acrescentado à jornada normal de seis horas, porque isto significaria, aí sim, tornar letra morta as disposições que regulam a matéria no próprio texto constitucional, como, por exemplo, o inciso XVI do mesmo artigo 7.º destacado. Este é o alcance que a jurisprudência vem vislumbrando na Orientação n.º 169 da SDI I do C. TST.

Portanto, mostram-se ineficazes acordos e convenções coletivos que, elastecendo o limite legal (art. 7.º, inciso XIV, da CF), retiram o direito a extras.

Neste sentido, decisão do C. TST no RR 285.059/96, 3.ª T.

7. A possibilidade de substituição processual

Admite-se a legitimidade ativa do sindicato para agir como substituto processual, em favor dos empregados, postulando, como extras, as excedentes da sexta, ao fundamento de configurados os turnos ininterruptos de revezamento, “cuidando-se aí de direitos individuais de projeção coletiva pela origem comum” (Min. João Oreste Dalazen), uma vez já admitida a necessidade de reavaliação da Súmula n.º 310, por padecer de invencível anacronismo, eis que ultrapassados os seus conceitos, nas lúcidas palavras do Eminente Ministro Ronaldo Lopes Leal (Revista do TST. Vol. 66. N.º 1. Jan/mar 2000. p. 15-19).

8. O empregado horista

O empregado contratado com remuneração à base horária, ou seja, com salário-hora, e que trabalhe em turno ininterrupto de revezamento, tem direito a receber por hora extra o que exceder à jornada de seis horas diárias para esse turno fixado pela Constituição. Além disso, tem, ainda, direito ao adicional de 50% sobre cada hora extra trabalhada, aos seguintes fundamentos (E-RR 411.171/1997, TST, SDI I): a) se fosse reconhecido o direito apenas ao adicional, e não ao pagamento das horas extras, restaria ferido o princípio da isonomia, eis que os empregados com salário mensal perceberiam mais do que os vinculados ao salário-hora; b) admitido o pagamento restrito ao adicional, abertas estariam as portas à fraude, pois as empresas contratariam empregados apenas com salário-hora, de modo que cumprissem jornada de oito horas sem o direito à percepção das horas extras.

Há mesmo, como pontuou o aresto, falta de sentido na pactuação do salário à base horária para os empregados que trabalham em sistemas de turnos ininterruptos de revezamento, pois não podem ter jornada variada, eis que, sempre, no turno um substitui o outro em horário certo, não podendo trabalhar em jornada variável.

Assim, o empregado com remuneração à base horária, ou seja, com salário-hora e que trabalhe em turnos ininterruptos de revezamento, tem direito a receber por hora extra a que exceder à jornada de seis horas (hora normal mais o adiconal), e não só o adicional.

9. Substituição de turnos de revezamento por turno fixo

Não havendo prejuízo ao empregado com a supressão do regime de turnos ininterruptos de revezamento de seis horas e a passagem para o regime legal de oito horas, em turno fixo, que é menos estafante e mais compatível com as necessidades vitais, culturais, sociais e familiares do trabalhador, não exsurge ilegalidade da alteração, antes, sustentada na lei (artigo 7.º, incisos XIII e XIV, da CF), e, evidentemente, mais benéfica, e nem, tampouco, conseqüentemente, direito a percebimento das sétima e oitava horas como extras.

Assim, se, após promulgada a Constituição Federal, o empregador, que se utiliza do sistema de turnos ininterruptos de revezamento, passa a adotar turnos fixos de trabalho, não se cogita de alteração do contrato de forma a prejudicar o trabalhador. O acréscimo na remuneração, que eventualmente perceberia trabalhando oito horas em turnos ininterruptos, não compensaria o prejuízo que essa forma de trabalho causa à saúde física e psíquica.

Portanto, a substituição do regime de revezamento de turnos pelo sistema de turno fixo não caracteriza alteração contratual ilícita (art. 468/CLT), não ensejando, portanto, direito ao percebimento das sétima e oitava horas como extras.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região. Cristina Maria Navarro Zornig é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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