Quem escreveu não lê

Nos últimos anos, governantes por todos os cantos do País enchem a boca para anunciar que em seus municípios mais de 90% das crianças em idade escolar estão onde deveriam estar: na escola. Palmas. Outra façanha que sempre sobe aos palanques: a repetência e a evasão escolar caíram drasticamente. Mais palmas. O que não é dito assim com tanta pompa é que poucos são os municípios que aplicam na educação o percentual do orçamento definido em lei. E que só não existe um grande índice de repetência, e conseqüentemente de evasão, porque instaurou-se o chamado ciclo básico, pelo qual não se reprova em determinadas séries.

Uma ótima forma de manter os alunos na escola. E só. Pois o aprendizado que os meninos de hoje estão levando para o resto de suas vidas é cada vez mais deficiente, menos importante. Pesquisas mostram que quase 30% de todas as crianças que chegam à 4.ª série são os chamados analfabetos funcionais, pois aprenderam a técnica básica da leitura e da escrita, mas não sabem interpretar o que lêem e até o que escrevem. Ou seja, não recebem a mensagem escrita. Estarão sempre à margem da nossa era, a da informação. Adultos, vão engrossar o índice de analfabetos funcionais nas empresas. Segundo o professor Daniel Augusto Moreira, da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, a queda na produtividade nacional provocada pela incidência de analfabetismo funcional representa uma perda equivalente a US$ 6 bilhões anuais.

Uma mera política governamental que encampe a luta pela leitura pode trazer resultados maravilhosos para as futuras gerações. Que envolva desde a preparação dos professores para que estes passem o prazer de ler aos seus alunos e não só a obrigação da leitura, até campanhas voltadas às crianças, eventos que divulguem obras e escritores. Os meios de comunicação deveriam ser “convidados” a dar sua colaboração, divulgando ininterruptamente que o livro é um artigo barato (há pouco comprei uma penca de clássicos, de Lima Barreto a Arthur Azevedo, a R$ 1, 99 cada. Ou seja, é só gastar mais R$ 0,34 além de um vale-transporte para viajar durante dias por uma bela história), que existem milhões de livros nas bibliotecas públicas esperando ser abertos, que a leitura abre portas à imaginação, aumenta a capacidade de raciocínio, enfim, enriquece o leitor e o ajuda a questionar e a ser mais exigente.

Que tal uma campanha que junto ao Fome Zero ajude a criar a sede de leitura? Que peça junto com o quilo de alimento, um livro? Por que não um reality show que acompanhe um grupo de aspirantes no processo de escrever um livro? E se a TV parasse de mostrar quem lê como um ser anacrônico, o CDF, o gênio abobado e passivo? Que tal os ungidos da fama instantânea, em vez de lançarem sandalinhas e pulseirinhas, divulgarem seu nome patrocinando lançamentos de livros infantis? E se de cada ajuda milionária aos bancos (os malfadados Proers), o governo destinasse 1 por cento para o incentivo à leitura?

Tudo isso valeria a pena, afinal, preparar o futuro é uma questão sempre urgente. E além de ajudá-los a entender melhor o mundo, que maior legado poderíamos deixar aos nossos filhos?

Douglas de Souza (domingo@parana-online.com.br) é editor de Cidades e do Jornal da TV em O Estado

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