Quem complica?

Outra vez o vice-presidente da República, José Alencar, rouba a cena para discordar. Não necessariamente do governo a que serve, pois ali qualquer um encontra a opinião que quiser. Mas de tudo o que aí está acontecendo. Na questão da reforma tributária, por exemplo, ele rema no sentido contrário da maré produzida pelos que se dizem conformados com as mudanças possíveis, entre eles o ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Alencar está irremediavelmente inconformado com essa “reforma possível” e com ele, certamente, concordam – pelo menos – os contribuintes.

“Nós vamos remediando, fazendo uma reforma para durar algum tempo e daí a pouco tornar a mexer, o que eu sou contra, pois acho que as coisas têm de ser feitas para valer”, disse o empresário que virou vice-presidente. Para ele, deveríamos ter no máximo três – dos cerca de sessenta atualmente existentes – impostos principais: um, indireto, sobre o consumo, e dois diretos – Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas.

No desencontro das contas em que se perdeu a reforma, o vice está convencido de que as coisas não são tão complicadas como estão sendo pintadas. Estamos vivendo a era da eletrônica, da informática e da robótica, e estaria na hora de facilitar a vida para o contribuinte. “As coisas – diz – são simples, nós é que complicamos.” A complicação tem sempre um objetivo que normalmente serve a quem complica. E quem complica – estamos todos observando isso desde a época de Fernando Henrique Cardoso – é o próprio governo.

É qualquer coisa igual ao que está acontecendo com a soja transgênica, onde há mais interesses em jogo que a simples questão da segurança alimentar, alegada pelos ecologistas e que – esta sim – interessa aos consumidores. Mas este perigo nem existe. Prevalecem questões comerciais e questões eleitorais, travestidas nas posições de cada ideologia em confronto. Na reforma tributária, que deveria preceder a previdenciária (esta também na iminência do descaminho) pensou-se apenas na parte que interessa a quem arrecada. Quem paga a conta ficou de fora. E nem os governadores, que deveriam estar unidos no objetivo de arrecadar, conseguiram o entendimento.

Por isso, a voz do vice-presidente é, no momento, a voz da sabedoria. Ou pelo menos daquela sabedoria empresarial que não tem poupado críticas à meia-sola que se desenhou desde que o presidente Lula, acompanhado de prefeitos e governadores, foi até o Congresso Nacional para entregar o projeto, considerado a chave de uma nova era para a economia brasileira. As combinações engendradas nas diversas reuniões da Granja do Torto sucumbiram antes que os governadores chegassem de volta a seus domicílios. O que era chave, virou tranca. E a reforma tributária empacou, desfigurada, como empacava na época das obstruções promovidas pelo PT na oposição. Agora já se teme que represente apenas o jogo de cena que poderá acabar noutro simples adiamento do imposto do cheque, a cascateira CPMF, considerado o melhor e mais barato imposto para o governo e o pior dos impostos para o contribuinte.

É curioso observar também que a posição isolada do vice é, na verdade, a posição inicial do próprio governo, que apostara todas as fichas no recorrente discurso que deixava fora de qualquer esperança um futuro sem reformas fundas, tidas e havidas como o abracadabra da nova era cheia de empregos, de crescimento econômico e bem-estar social. Se a reforma de verdade não vem, como esperar pelo milagre da multiplicação dos pães? O clima do “já está melhorando” pregado pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, não encontra correspondência na vida dos cidadãos consumidores, que já estariam sentindo a queda dos juros… como? Aqui, novamente entra o vice com sua sabedoria epidérmica: “Ultimamente sou péssimo consumidor. Ganho tão pouco e não estou consumindo nada”. Como a maioria dos brasileiros…

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