Que língua nós falamos?

Somos brasileiros, nossa língua não é brasileira, falamos português do Brasil. Entretanto, em nosso vocabulário estão inseridos diversos outros dialetos. O jovem fala na gíria, o economista tem o seu “economês”, o advogado tende ao “jurídico”, os médicos até distribuem um manual básico para que se entenda o que falam. Isso para não comentar sobre a informática, que, além da linguagem técnica, descambou para uma mutilação inconcebível. O imediatismo, a necessidade de simplificar as coisas estão contribuindo para tornar o nosso vocabulário cada vez mais complexo e longe de suas origens. Os jovens, especialmente, quando escrevem, já se acostumaram a suprimir os acentos e a abreviar os termos, como o vc, tb, cf e por aí afora.

Não tenho a pretensão de entrar aqui na questão técnica, mas de fazer as minhas observações sobre o excesso de desvios que cometemos no dia-a-dia. Reconheço que os meus limites de vocabulário e a falta de um estudo mais aprofundado da Língua Portuguesa também podem me levar a cometer erros. No entanto, como profissional do jornalismo, que todos os dias depara com uma infinidade de termos usados, acho que devo ter uma preocupação redobrada.

Um simples passeio pela cidade já nos faz refletir sobre os mais diferentes comportamentos lingüísticos. Estão nas placas, nos anúncios, na parafernália de reclames que ficam espalhados pelas ruas. São sinais, termos, letras, símbolos e diferentes formas de dizer as coisas.

Traduzir tudo isso para o bom português não precisa esbarrar no preciosismo do professor Cipro Neto, nem chegar ao rebuscado exagero dos intelectuais, mas não pode descer ao extremo dos “mano” das nossas esquinas e orlas marítimas. A sociedade talvez devesse encontrar um meio-termo para tudo isso. E aí está o grande papel da mídia, que vai um pouco além do jornalismo.

No jornalismo, o que se busca é a linguagem do povo, sem “tucanar” termos, como diz o José Simão, nas suas apimentadas e satíricas colunas.

Que tal se os professores simplificassem, por exemplo, o que eles chamam de “conteúdo programático”, os médicos não escondessem a dor de barriga nas “cólicas abdominais”, os técnicos de informática parassem de “deletar” e apagassem de suas memórias os termos importados. E que desindexação, o fluxo cambial, o mercado acionário e outros do “economês” fossem traduzidos. Que as liminares, “data vênia”, “habeas corpus” ou ações cautelares do dicionário jurídico atingissem a grande massa popular, com termos mais cabíveis.

Dura missão do jornalista! Fugir desse corporativismo classista de alguns setores, preocupados em sustentar um “status” (para usar um termo deles) que garanta uma espécie de “pulo do gato”. Daí aquela indisfarçável máxima: “é preciso procurar um profissional da área”. Só que isso, sempre, vem acrescido de um alto custo, duro de ser pago por uma sociedade feita de classe média, onde a média está sempre mais próxima da pobre. E muito mais distante da classe alta, patrocinadora da “verborragia” que temos de engolir.

O corporativismo é uma espécie de insegurança. Logo, somos uma sociedade insegura, ainda em busca de nossos ideais. Tolo é aquele que pretende aparentar conhecimento, escondendo, para si, o que deve ser de domínio público.

Osni Gomes é jornalista (osni@pron.com.br), é editor em O Estado e escreve aos domingos neste espaço.

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