Que é do déficit?

O argumento de muitos, de que deve ser feita a reforma da Previdência porque poucos ganham bem e a quase totalidade mal, muito mal, não se sustenta quando a intenção é fazer com que todos ganhem mal. Seria mais ético procurar fazer uma reforma que levasse, um dia, todos a ganharem bem.

O motivo ético existe quando se trata de eliminar privilégios de determinadas classes. A unificação do sistema pode ser desejável, mas não é o único caminho. E talvez nem mesmo o melhor, na medida em que especificidades de determinadas carreiras recomendem tratamento diferenciado. “A igualdade consiste em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam” (Rui Barbosa).

Estudos, desde que feitos com seriedade e competência, indicarão qual o melhor caminho. Se o múltiplo (diferente para cada classe de trabalhadores) ou o único, como parece ser o sonho do governo petista, principalmente de sua ala mais autêntica, embora já descartado pelo próprio presidente Lula, que admitiu regime próprio para as Forças Armadas.

O motivo principal da urgência de uma reforma da Previdência, já tentada pelo governo Fernando Henrique Cardoso e boicotada pelos “lobbies” de interessados e pela bancada do PT no Congresso, é o déficit. Os atuais sistemas não se sustentam, em especial o do funcionalismo público. Prevê-se para este ano, sem reforma, um déficit de R$ 29 bilhões só na previdência para os servidores federais, importância que tem de ser bancada pelo Tesouro Nacional. Ele também supre o déficit da Previdência dos trabalhadores empregados no regime da CLT, clientes do INSS, e aí vão mais alguns bilhões. Neste caso, o buraco é bem menor porque os trabalhadores da iniciativa privada têm seus benefícios previdenciários condicionados pelo valor do salário mínimo. E este é ridículo, irrisório. Irrisórios, por conseqüência, os benefícios previdenciários. Ainda porque existe um contingente enorme de trabalhadores na economia informal, que não recolhe à Previdência, ou seja, ao INSS.

O mais contundente argumento contra a existência desse déficit e suas causas não tem sido discutido e só surge agora, numa entrevista da senadora alagoana Heloísa Helena, do PT de Alagoas. Ela é uma petista autêntica, ortodoxa e em entrevista à revista Veja faz críticas duras ao governo e ao seu próprio partido, chegando a admitir deixá-lo se ele se afastar dos compromissos que firmou com o povo. Foi ela quem chorou quando teve de engolir a nomeação de Meirelles para a presidência do Banco Central, um homem da linha de Armínio Fraga, que serviu ao governo FHC. Sobre o déficit na previdência dos servidores públicos, disse a corajosa senadora nordestina: “Eu tenho muita raiva quando começam com essa conversa de rombo da Previdência, porque ela esconde a sonegação do próprio governo, que não repassa para o sistema a sua contrapartida. E ainda desvia – de forma ilegal, imoral e oficial – recursos que deveriam ir para lá. Essa história de rombo é uma cantilena enfadonha e mentirosa”.

Tem razão. Refere-se a senadora ao fato de que, no sistema de previdência brasileiro, os empregados pagam uma parte e os patrões outra. Todos pagam para o INSS. No serviço público, os funcionários pagam compulsoriamente. Mas o patrão, o governo, sonega. E depois chora um déficit que criou ou pelo menos ajudou a criar. E quer mais contribuições dos funcionários.

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