Nas primeiras linhas da matéria Seria Hitler uma vítima?, publicada no último sábado a respeito do livro …E a Guerra Continua, de Norberto Toedter, constava o alerta: trata-se de uma obra polêmica “por si só”. Tenho total consciência da gravidade do tema, e já esperava reações indignadas contra a peculiar interpretação que o autor faz dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial.
Indignação aliás absolutamente legítima, pois a monstruosidade cometida é fartamente documentada e nada tem de fantasiosa ou ficcional. Como monstruosas e comprovadas também são as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, os massacres na África, a Guerra do Vietnã e tantas outras barbaridades que a espécie dita humana comete e cometeu.
Daí a minha própria perplexidade, quando me defrontei com este senhor, aparentemente equilibrado e respeitável, que defende pública e abertamente a idéia de que a Alemanha e o seu povo foram as grandes vítimas da guerra. Mais: minimiza o ódio doentio do führer e o sofrimento de judeus, negros, homossexuais e opositores do regime – todos alvos da implacável máquina de destruição nazista. E isso a partir de uma experiência in loco, pois Toedter relatou que vivia na Alemanha na primeira metade da década de 40, e testemunhou pessoalmente os bombardeios na região.
A experiência, acrescida do sentimento de solidariedade e identificação com os alemães inocentes (sim, também os há) mortos na guerra, materializou-se no livro. Publicado de forma independente, com dinheiro do próprio bolso, …E a Guerra Continua já está na sua segunda edição. Se isso não é notícia para um caderno cultural, não sei o que é.
Surge aí, portanto, a obrigação de ouvi-lo. Tentar compreender – e informar ao leitor – por que uma publicação com idéias tão questionáveis faz sucesso. Foi o que procurei fazer. Só não imaginava que o holocausto tivesse deixado, entre outras terríveis seqüelas, a cegueira. A incapacidade, expressa em diversas mensagens, de perceber que a publicação da entrevista não quer dizer que o jornal – ou este jornalista – concordam com as idéias de Norberto Toedter. Não foi feito nenhum juízo de valor, porque cabe ao leitor aceitar ou não o ponto de vista dele.
Mas pior que a cegueira é a intolerância. A tentativa de desqualificar um veículo de comunicação, com uma tradição de 51 anos, simplesmente por ter exercido a sua função, qual seja: proporcionar um espaço democrático para esclarecimento, informação e exposição de idéias, até para que elas sejam questionadas. Ironicamente, ao tentar censurar o jornal e impedir o escritor de manifestar sua opinião, tais representantes da colônia judaica se aproximam do sectarismo e da intolerância típica dos comandados do führer.
A propósito: dentre a avalanche de e-mails furiosos que soterraram à nossa caixa postal, selecionamos o do historiador judeu Sérgio Feldman, que diz ter estudado em Tel Aviv e ser mestre pela USP, e o convidamos a dar a sua versão sobre o tema. Imaginamos que o preparo demonstrado pelo missivista contribuiria para o enriquecimento do debate. Fizemos o convite na última segunda-feira, assim que a mensagem dele foi lida. Infelizmente, até agora não tivemos resposta.
Luigi Poniwass (almanaque@parana-online.com.br) é editor do Almanaque em O Estado.