Um pacto contra a crise internacional. Mas que crise?

Ninguém entendeu o novo apelo que parte do ainda maior articulador político do governo Lula, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Ele quer que empresários, políticos e todos os segmentos organizados da sociedade brasileira se unam em torno de um objetivo comum – um pacto de união nacional para enfrentar a crise econômica internacional que se avizinha.

Dirceu falou isso durante um jantar que fizeram recentemente em sua homenagem, em São Paulo, e que contou com a participação de grandes figuras da economia nacional de todas as tendências políticas. Começou o discurso sem saber o que dizer e acabou dizendo o que, talvez, não tinha pensado pronunciar. “No começo, o governo só falava em espetáculo do crescimento e agora vem falar de recessão. Não entendi a guinada”, disse o empresário Daniel Feffer, um dos presentes.

Vira e mexe e o bode da história volta para a sala de governos com prestígio em declínio. Essa nova “crise internacional” está sendo desenhada exatamente quando Lula amarga o desgaste gerado pelo episódio dos copos e garrafas, em sucessão a outro igualmente desagradável que envolveu nada menos que o próprio homenageado travestido em pitonisa da desgraça. A ameaça de coisa ruim no horizonte imediato contribuiria para apressar o esquecimento das desgraças passadas, inclusive esse fiasco em que terminou a ópera bufa da expulsão do jornalista norte-americano Larry Rohter: o governo retirou seu ato de expulsão alegando um pedido de desculpas que o jornal The New York Times jura que nunca existiu. Um fato novo na estratégia da política internacional do governo: toma-se assim como feito aquilo que se imaginava fosse necessário fazer.

Mas, voltando a essa nova crise imaginada por José Dirceu (ele ainda não colocou os pingos nos “is” conforme prometeu para trinta dias no auge do Waldogate), é provável que por detrás da proposta existam objetivos muito claros. E ficamos imaginando se um deles não seria esse de causar fato novo para, em torno de nova preocupação, canalizar as energias, preocupações e decepções dos brasileiros todos. O governo, como se sabe, está na costura de uma agenda que lhe construa imagem diferente dessa que se mistura com o imobilismo em que se atola dentro das crises que ele próprio gera em sucessão espantosa. Não faz muito sentido, entretanto, a antecipação do apocalipse enquanto tenta costurar uma agenda positiva que inclui até inauguração de empresas em funcionamento. A proposta é, assim, a dizer o mínimo, desconcertante.

Podem existir muitas outras razões para o que articula José Dirceu. Por exemplo, a eleitoral, para a qual já se voltam as atenções dos governos de todas as esferas. É lícito imaginar que a alegação de crise internacional à vista sirva como argumento atenuante para as inevitáveis críticas de palanque. Com efeito, embora em eleições municipais a questão nacional conte pouco segundo as pesquisas, a ninguém escapa que o fraco desempenho do governo (em contraposição às grandes esperanças que despertara e aos tropeços que até aqui cometeu) acabará por pesar na avaliação dos eleitores. Pelo menos nas grandes capitais isso será inevitável e há quem arrisque dizer mesmo que a eleição não fugirá ao caráter plebiscitário em torno do governo.

Seja como for, e sob todos os ângulos que se pense a proposta de José Dirceu, esse pacto proposto carece um pouco de sentido. Até ontem o governo dizia que estava tudo bem. O próprio Lula, ao fazer o balanço do “mais certo que errado”, na semana passada, afirmou que “aqui, no Brasil, estamos totalmente tranqüilos”. Observe-se que “totalmente tranqüilos” é bem diverso do simplesmente tranqüilos. O que, por sua vez, é bem diferente dessa borrasca desenhada pelo ministro que teve suas funções restritas à área administrativa e volta a ensaiar o compasso sobre política. Lula e Dirceu podem estar vivendo em mundos diferentes. E isso não ajuda nem ao governo nem aos brasileiros.

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