Promessa exeqüível

Desta vez pelo menos parte do improviso do presidente Lula deu certo: “Uma coisa – disse ele com propriedade – é tirar férias de dez dias e ir a uma cabaninha no meio do mato e viver à luz de velas ou de lampião. É muito charmoso. Outra coisa é passar a vida inteira nessa situação”. De fato, somente quem já viveu essa situação é capaz de avaliar a intensidade do drama descrito pelas palavras presidenciais. Através delas também se sabe que não são poucos – pelo menos doze milhões de brasileiros – os que ainda vivem no escuro.

A segunda parte do improviso presidencial é despicativa: “É bem possível – mas pouco provável, diríamos nós – que ainda tenha gente que casou sem ver a cara da mulher que casou (sic), da namorada ou vice-versa”… embora ainda seja verdadeiro afirmar que os jovens estão abandonando o campo em direção às luzes da cidade. O êxodo rural registrado nas últimas décadas tem muito a ver com isso. Sem energia elétrica, muitas atividades econômicas também deixam de ser desenvolvidas no campo, próximo da matéria-prima e da mão-de-obra disponível.

O programa Luz para Todos, assim lançado, tem a pretensão de antecipar metas. O que estava previsto para ser alcançado até o ano de 2015 o será, segundo a promessa de Lula, até o ano 2008. Envolverá recursos da ordem de sete bilhões de reais – maior parte (5,3 bilhões) oriunda dos cofres do governo federal e o restante dos governos estaduais chamados a colaborar e das empresas que operam no setor. “Não temos o direito – afirmou Lula, advertindo os governadores presentes – de sermos pequenos diante da magnitude desse projeto.” Como que afastando qualquer endereço eleitoreiro do programa, emendou: “Não temos de pensar em nós, e nem temos de pensar na próxima eleição, temos de pensar na próxima geração do campo brasileiro”.

O programa lançado beneficiará principalmente as regiões Norte e Nordeste do Brasil, em cujo interior 62,5% e 39,3%, respectivamente, da população vive às escuras. No Centro-Oeste esse índice cai para 27,6%; no Sudeste, para 11,9% e, no Sul, para 8,2%. A universalização da energia elétrica com o novo nome do governo Lula deverá ter início ainda este ano, em área do interior do Piauí, para onde Lula prometeu ir para, pessoalmente, apertar o interruptor. Um Conselho Nacional de Universalização comandará o processo, formado por representantes de diversos ministérios, pelo BNDES e pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel.

O dinheiro para distribuir luz a todos os brasileiros virá de fontes preexistentes que o próprio presidente disse desconhecer e sobre as quais, curiosamente, ninguém falou sequer no período dos apagões: dos fundos setoriais de energia chamados Cota de Desenvolvimento Energético (CDE) e Reserva Geral de Reversão (RGR) que, juntos, arrecadam quase dois bilhões e meio de reais por ano – mais que o dobro da quantia anual necessária ao programa lançado. Sobra ainda, com certeza, o bolo formado pelo chamado Encargo Capacidade Gerencial (ECG), que todos pagamos sem chiar na fatura mensal de luz, já acrescida da cobrança municipal relativa à iluminação pública.

Se há dinheiro em caixa (e sobrando, como se vê), esta nova promessa de Lula tem todas as condições de ser cumprida sem muita literatura ou discurso. Diferentemente dos dez milhões de empregos em quatro anos, basta, como ele gosta de dizer, vontade política. Aliás, perguntam-se os motivos pelos quais ainda tanta gente padece dessa primária privação. De igual modo, assim posto, será muito mais grave se o escoar do tempo demonstrar que mais essa não passou de uma promessa… eleitoreira, como muitas.

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