Problemas municipais

Uma notícia que contrasta com a súbita onda otimista que traz o carimbo do Planalto: mais da metade das prefeituras está com problemas de caixa e seus funcionários não deverão nem ver a cor do 13.º salário antes do Natal – o primeiro do governo Lula. “A situação dos municípios é grave”, disse o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, o gaúcho Paulo Ziulkoski, segundo o qual existem no Brasil perto de dois milhões e trezentos mil cidadãos cuja sobrevivência depende dos cofres municipais, sem considerar suas famílias.

Se o problema não é de hoje, pois muitas prefeituras já estão com salários e outros compromissos atrasados faz tempo por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal, a situação agravou-se no curso deste ano, com a redução do valor real dos repasses do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM. Além do jogo-de-braço com o governo federal, os prefeitos brigam também com os governos estaduais que, em muitos casos, resolveram bloquear o repasse relativo ao salário-educação, também este vindo da União. A triangulação serve, assim, como biombo para a cobrança das dívidas estaduais, piorando ainda mais as coisas.

A chiadeira municipal, palco das eleições que se avizinham, vem na esteira das recentes declarações do ministro Antônio Palocci, da Fazenda, segundo as quais o ano que vem, marcado pelas promessas de crescimento, continuará sob o signo do aperto orçamentário e do ajuste fiscal. O presidente da CNM não perdeu tempo para correr ao Planalto em companhia de ruidosa caravana de alcaides, todos eles dispostos a chorar o quanto mais podem. De tantos problemas arrolados, dificilmente voltarão de lá com as mãos completamente vazias. Afinal, se a União não se mostrar sensível com os municípios, onde tudo acontece (e onde quase tudo poderia ser resolvido), com quem haverá de ser?

Aliás, o otimismo de Brasília está sendo colocado à prova também em outras áreas da complexa economia brasileira. Até agora, saiu em defesa dele apenas o ministro Luiz Fernando Furlan, para quem o ano de 2004 já está no papo, são favas contadas, e que, pelo menos na parte que lhe toca, “já me preocupa como é que vamos fazer em 2005”. Entidades como a poderosa Federação do Comércio de São Paulo discordam dessa “visão de exportador” do ministro Furlan (que tem lá seus méritos) e, aguçando as antenas de sua bola de cristal vê coisa diferente daquela vista pelo Planalto: “Pode ser que a economia cresça em alguns segmentos, mas não será o crescimento que imaginávamos”. O raciocínio é cartesiano: com menos poder de compra, o consumo também não vai crescer. E não crescendo o consumo, seguramente não haverá de crescer também a oferta de empregos, já que todos esses dentes pertencem à mesma engrenagem. Não havendo maior oferta de empregos, nossos problemas sociais serão ainda maiores, queira ou não o presidente Lula ainda cheio de esperanças.

A remar contra o otimismo propalado estão os pífios números divulgados pelo próprio Planalto e sobre os quais existem, ainda, sérias controvérsias. Primeiro, diziam que a projeção de nosso crescimento econômico seria de 0,98% do PIB – Produto Interno Bruto. Depois, alguém da área da Fazenda refez as contas e baixou esse número para 0,4%, fato que irritou o dono dos números oficiais, o ministro Guido Mantega, do Planejamento: o que vale mesmo é 0,8% (e dizer que a poderosa Federação das Indústrias de São Paulo sonha com o ideal que vai de 4% a 4,5%!). Com tanta timidez, infelizmente lastreada na realidade da qual fazem parte também os problemas municipais, seria bom que Lula fosse desaconselhado de falar em espetáculo do crescimento…

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