Privilégios e exploração

“Tem gente que, num país onde 40 milhões de pessoas passam fome e onde o salário mínimo é de R$ 240, acha pouco se aposentar com R$ 17 mil, R$ 19 mil, R$ 30 mil. Este é um país pobre e precisamos distribuir o pouco que temos de forma mais equitativa e mais justa, para que todos tenham direito ao mínimo necessário para sua sobrevivência”, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso pronunciado na semana passada, em Concórdia, Santa Catarina, no 3º Seminário Brasileiro de Agricultura Familiar. Numa crítica indireta aos juízes que ameaçam entrar em greve por causa de tópicos da reforma da Previdência, o presidente da República falou de setores privilegiados, que acham pouco se aposentar com R$ 17 mil, num país em que o salário mínimo é de R$ 240 e 90% do funcionalismo do setor público ganha mal e vive mal depois que se aposenta.

Tem razão Lula ao falar em setores privilegiados e um grande número – a maioria -de trabalhadores mal pagos, explorados, inclusive no setor público.

Mas, como diria o poeta, é uma rima, nunca uma solução. É verdade que no setor público existem privilegiados e isso precisa acabar. Não diríamos que são os ministros do Supremo Tribunal Federal, a cúpula do Judiciário, que tem aposentadoria da ordem de R$ 17 mil, referida por Lula, mas sim alguns protegidos e espertos, oficiais de organismos públicos, que através de escusos expedientes, chegaram a aposentadorias de R$ 20 mil, R$ 30 mil ou até algo em torno de R$ 50 mil.

No que toca à magistratura, há de se considerar a importância de suas funções, que são de Estado e a indispensável inamovibilidade, estabilidade e irretroatividade de vencimentos, proteções que vêm do século 19 e visam manter-lhes imunes diante dos dois outros Poderes, para que estes não possam interferir na independência dos julgadores. Os seus vencimentos são altos e talvez até excessivos, mas há que se considerar que rebaixá-los, arranhando direitos adquiridos e estamentos constitucionais, pode ser um mal maior e solução nenhuma. O que se está vendendo à opinião pública brasileira é que é um privilégio que uns poucos ganhem bem, muito ou demasiado, enquanto a grande maioria ganha pouco. E desta, a maior parte recebe o ínfimo e humilhante salário mínimo de R$ 240, ditado pelo Poder Executivo, com a chancela do Legislativo.

Com isso, dá-se a falsa impressão de que o fim dos “privilégios” de uns poucos resolveria o problema da maioria humilhada com baixíssimos ganhos, inclusive dentro do funcionalismo público e entre o operariado. Não há conta que sustente isto. Acabar com privilégios é legítimo, mas há de ser pensar bem o que são ganhos privilegiados e o que são vencimentos justos. E olhar para os que ganham muito pouco, os explorados, pois rebaixar os ganhos daqueles não eleva os destes. O que parece estar sendo procurado com as reformas é fazer com que todo mundo ganhe mal e se aposente pior ainda. O que precisamos é de fórmulas que elevem os ganhos da grande massa explorada dos trabalhadores, sejam da iniciativa privada ou do serviço público. Que se acabem com os privilégios, mas que não se dê ao povo a falsa noção de que com isso será conseguida melhor distribuição de riquezas. A economia conseguida é um grão de areia diante das necessidades das massas exploradas, ganhando salários microscópicos, quando não no desemprego.

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