Para o presidente Fernando Henrique Cardoso, já arrumando as malas, o termo não deveria ser privilegiado e, sim, adequado. Foro adequado. Defende ele, assim, uma instância diferenciada para o julgamento de ações que venham a ser interpostas por quem quer que seja contra ex-ocupantes de cargos públicos. O tema está em debate tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Congresso (o Senado aprovou a matéria), perpassando também operadores do Direito de todos os naipes e cidadãos atentos. “Tem que haver um foro adequado” – disse o presidente, acrescentando achar que “não tem muito cabimento que você (no caso, ele próprio!) tenha possibilidade que qualquer cidadão brasileiro entre com uma ação e você tenha que ficar correndo atrás”. Frase meio confusa, mas deu para entender o que FHC quis dizer.

Primeiro de tudo, meditemos sobre essa possibilidade de que qualquer cidadão brasileiro possa ter de entrar com uma ação contra quem quer que seja. Até prova em contrário, o direito de ação existe e conviria que um presidente da República cultivasse apreço à manutenção e aplicação de tal direito. Aliás, que colaborasse para que as condições de exercê-lo fossem, de fato, favoráveis a todos, indistintamente de posição social, credo, raça ou dinheiro em conta bancária (ou no exterior!) para pagar bons advogados.

Segundo, vamos à raiz dos termos em confronto: privilegiado e adequado. O primeiro vem do latim e significa vantagem que se concede a alguém com exclusão de outrem e – frisa o dicionário – contra o direito comum (isto é, de todos). É alguém que goza de privilégio ou imunidade. Em outras palavras, foro privilegiado consagra o princípio da desigualdade ao conceder vantagem para alguém em detrimento de outrem. É alguma coisa que vai contra o enunciado constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei.

Já o termo adequado, preferido por FHC (é compreensível que sua excelência não demonstre apreço a privilégios, principalmente numa época em que trabalha pelo reconhecimento de seu esforço pela consolidação da democracia) tem tudo a ver com igualdade. Adaequatus – o particípio passado do verbo transitivo adaequo – significa aplainar, alisar, nivelar; tornar alguma coisa igual à outra, igualar. O substantivo aequum está lá no latim antigo para significar, além de planície, a eqüidade (isto é, a igualdade) e a justiça. No mesmo nascedouro da palavra está o adjetivo aequalis, que significa algo da mesma grandeza, da mesma estatura, igual ou uniforme.

Mais se poderia tergiversar sobre a origem da palavra preferida por FHC ao defender exatamente a desigualdade no julgamento de ex-ocupantes de cargos públicos, colocados, dessa forma, em situação privilegiada. Porém, o que se disse já é capaz de fornecer o cerne do argumento que se deve defender em nome da democracia, que, de maneira equivocada, sua excelência invoca.

Louvável seria que o festejado professor e tantas vezes honoris causa Fernando Henrique Cardoso revisasse sua posição para defender o sentido que encerra a palavra “adequado”, que prefere ao termo “privilegiado”. Ou, então, que assumisse por inteiro a tese que abraça, defendendo os privilégios do foro especial em causa própria.

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