Primeiro bando

Não faz sentido algum o que dizem quadrilheiros presos sobre como se referiam aos julgadores do Tribunal Regional Federal de São Paulo. Em vez de Primeira Turma – os juízes são divididos em turmas para dar maior agilidade aos processos -, era “primeiro bando”, clara alusão a um tipo de gente contumaz na prática de crimes. Em que pese a necessidade urgente de reforma, a Justiça brasileira é valorosa e seus agentes, na grande maioria, idôneos, honestos, preparados e trabalhadores. Assim como também são honestos, idôneos, preparados e trabalhadores, em sua maioria, os integrantes da Polícia Federal. Ou da Receita Federal e alhures.

Feita essa ressalva necessária para que ninguém nos pesque em generalidades, não se pode deixar passar sem meditações mais fundas essa sucessão de escândalos envolvendo fiscais da Receita (e aqui se entenda fiscais federais, estaduais ou municipais), altos funcionários da Polícia Federal (que as outras polícias já estão desmoralizadas) e – valha-nos essa crença inabalável no último refúgio dos injustiçados! – agora também do Poder Judiciário. Não apenas funcionários, mas juízes, magistrados.

Os três tipos de funcionários são dos mais bem pagos pelos cofres públicos, isto é, pela sociedade. Um policial, diz recente estudo do Ministério da Educação, ganha em média o dobro do que ganha um professor brasileiro. Magistrados e fiscais estão no topo dos melhores contracheques. É assim porque a sociedade os paga pensando em sua proteção. Eles, afinal, cuidam da saúde social e, quando não preventivamente, têm o poder de aplicá-la corretivamente. Ao juiz corremos sempre em busca de direitos perdidos ou subtraídos, ou na esperança da punição justa, certa e serena dos que cometeram desatinos.

Quando acontece tudo o quando se tem presenciado nos últimos dias na Polícia, Justiça e Receita, dá uma tristeza imensa e uma sensação de vazio. E é muito perigosa essa sensação de que tudo está podre e contaminado pelo vírus mais odiado por contribuintes e cidadãos – a corrupção. Gente que em vez de coibir a sonegação, enche os bolsos com o butim das propinas; que em vez de fiscalizar criminosos e sonegadores, passa a protegê-los em nome do Estado para que melhor atinjam seus nefastos objetivos; que em vez de julgá-los e penalizá-los exemplarmente, usam o poder que têm para vender proteção e garantia de impunidade em troca, é claro, de pagamentos extras e polpudos. Tudo o que se disser dessa gentalha sob investigação é pouco para exprimir a náusea que se apossa do povo, já desacreditado de políticos e das… instituições.

Se estão denunciando, já é bom sinal, dirão alguns. E em parte é verdade. Pior seria falar-se genericamente em “caixa-preta” e pintar o céu sempre de azul, fingindo estar tudo bem. Mas existem coisas que, em seus desdobramentos, acabam se tornando mais importantes que os fatos originais. A revolta da Polícia Federal de São Paulo, por exemplo, contra o sigilo em que foram desenvolvidas as sucessivas etapas da “Operação Condor” – um ano inteiro de paciente investigação comandada diretamente por Brasília, pelo Ministério Público Federal. Ora, queria o chefe da Polícia Federal paulistana, delegado Francisco Baltazar (que fez a escolta pessoal de Lula nas quatro campanhas eleitorais), ser avisado de tudo, para que não acontecesse “essa indignidade”, essa “cafajestagem” de ser surpreendido ou, como prefere, “enganado” em sua área de comando. Secundam-no na mesma indignação algumas entidades de classe, movidas naturalmente por injustificado espírito de corpo.

Sinceramente, espera-se que essa reação pare por aí. Que seja passageira e não acabe por neutralizar o esforço de uma operação séria, justa e que deu certo ao apanhar com a boca na botija gente tão importante que se imaginava de ilibada conduta e, no entanto, constitui – vamos tomar o termo de empréstimo – parte desse “primeiro bando” que infelicita a nação desde… o descobrimento.

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