Previdência oitentona

Segundo acaba de revelar a médica Maria Dolores Rubio, coordenadora do Congresso sobre Longevidade e Saúde, que se realizou por esses dias em Logroño, na Espanha, pelo menos cinco mil espanhóis vivem há mais de cem anos. E a maioria está em boas condições de saúde. As condições físicas desses espanhóis e o aumento da esperança de vida vão obrigar a se falar de uma “quarta idade” e, principalmente, a se buscar soluções para que a previdência social não vá à falência, disse a médica.

Esta é – mais tênue, mais acentuada – uma realidade global. Do Levante ao Sol Poente, pessoas completando cem anos de vida, lúcidas, sorridentes e cheias de esperança, não constituem mais a novidade de algum tempo atrás. Muitas doenças que antes matavam inexoravelmente, hoje são facilmente curáveis. E a medicina, em busca da utopia da eternidade, todos os dias anuncia estar cada vez mais próxima do que se poderia chamar do elixir da juventude.

Na sexta-feira que passou, o Brasil comemorou – perdão, lembrou, porque a maioria não tem o que comemorar – o Dia do Aposentado. A data assinalou, também, o 80.º aniversário da criação do sistema. A Previdência Social brasileira, então, é bem mais nova que muitos espanhóis e, seguramente, que alguns milhares de brasileiros. Tão nova para os nossos quinhentos anos de história depois da acidental descoberta, entretanto, a Previdência é o calcanhar-de-aquiles das finanças públicas e todo aposentado, portanto, um peso no Tesouro. Uns pesam mais, outros menos, é verdade, mas todos admitem que, como está, não pode ficar.

A oitentona Previdência padece de muitos males. Um deles está no fato de deixar sem assistência mais da metade dos brasileiros, segundo assegura o ex-ministro Waldeck Ornelas. Quase cinqüenta milhões de trabalhadores estão fora do sistema, isto é, não contribuem e, por isso, vão envelhecer sem seguro social, já que não têm uma fonte de renda. Pouco falado, este seria o principal desafio do governo, muito empenhado no combate à fome e pouco preocupado com o crescimento econômico e com o aumento do nível de emprego formal.

Outro mal de que padece a jovem e doente senhora é, pois, a injustiça. Além de deixar à margem mais da metade do povo, os que estão no sistema também não gozam de eqüidade. Há quem tenha tudo e mais que tudo; há quem tenha quase nada. Submete a nação inteira a um processo de financiamento de suas próprias mazelas, pois quem paga a conta, se não autofinanciada, no frigir dos ovos, o contribuinte.

No Fórum Social de Porto Alegre, o ministro Ricardo Berzoini disse coisas bonitas, ao ensaiar uma espécie de abertura da caixa-preta do sistema. Advertiu que a Previdência não é, nem pode ser, um sistema filantrópico, como tem sido ao largo desses oitenta anos, quando distribuiu favores, mordomias e privilégios travestidos de direitos a muitos, enquanto massacrou a tantos e excluiu a milhões. Berzoini só errou quando afirmou que “a Previdência Social é hoje o mais importante instrumento de redistribuição de renda do País”. Não é. O tempo do verbo está errado. Para honrar seus oitenta anos, devia ser.

Voltar ao topo