Prescrição intercorrente no Processo do Trabalho

1. Introdução

A prescrição intercorrente é tema dos mais controvertidos para o processo do trabalho, tanto que se digladiam, de forma intensa, duas correntes. Uma, capitaneada pelo Excelso STF, que a admite na Justiça do Trabalho (Súmula n.º 327). Outra, liderada pelo C. TST, que a considera inaplicável no processo trabalhista (Súmula n.º 114).

2. O significado

Chama-se prescrição intercorrente aquela argüível no curso da ação, após a sentença (art. 741, VI, do CPC e Súmula 150 do Excelso STF), que não se confunde, pois, com a prescrição alegável na fase de conhecimento.

No caso de o exeqüente deixar paralisado o processo pelo mesmo prazo da prescrição da ação (dois anos – art. 7.º, XXIX, da CF), conforme Súmula n.º 159 do Excelso STF, opera-se a prescrição intercorrente. Se é o devedor quem concorre para a paralisação ou o ato dependia de impulso oficial, não se cogita de prescrição intercorrente.

3. A corrente quenão admite (negativa)

O C. TST, através de sua Súmula n.º 114, é taxativo: “É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”.

Francisco Antonio de Oliveira explica essa assumida posição contrária do TST (Comentários aos Enunciados do TST. 5.ª ed. São Paulo: RT, 2001. p. 296):

“É interessante notar que a estrutura processual trabalhista em muito se distancia daquela própria do processo comum. A autonomia que se verifica no processo comum no tocante à liquidação de sentença, nos embargos e na própria execução não firma residência no processo trabalhista. No processo trabalhista a liquidação de sentença não passa de mero incidente de natureza declaratória da fase cognitiva (apuração do quantum) e integrativo da execução. E os embargos não têm a dignidade de ação, mas de simples pedido de reconsideração ao juízo de primeiro grau. Em suma, a ação no processo trabalhista congrega fases de conhecimento e de execução e a liquidação de sentença e os embargos são meros incidentes. A decisão proferida em liquidação é homologatória. E a proferida em embargos pode ser revista pelo prolator que possui o juízo da reforma, quando da protocolização de agravo de petição.

Em não havendo ação na execução em âmbito trabalhista, não há falar em prescrição, ressalvada a possibilidade antes da liquidação de sentença.”

4. A correnteque admite (positiva)

A Súmula n.º 327 do Excelso STF dispõe: “O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente”.

Em comentários a esse comando, Roberto Rosas (Direito Sumular. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1981. p. 143-144) cita decisão do Exmo. Min. Luiz Gallotti, no ERE n.º 37375), a justificá-lo, assentando que, se o procedimento ex officio, ao invés de uma faculdade, como é (art. 878 da CLT), fosse um dever do juiz, aí, sim, não caberia a prescrição intercorrente.

O professor Manoel Antonio Teixeira Filho (Execução no processo do trabalho. 7.ª ed. São Paulo: LTr, 2001. p. 289-290) enfileira-se dentre aqueles que entende pelo acerto da Súmula do Excelso STF, apresentando dois motivos básicos: a) porque a lei trabalhista expressamente prevê a possibilidade de se argüir a prescrição intercorrente (art. 884, § 1.º); b) porque o sentido generalizante da Súmula n.º 114 do C. TST comete a imprudência de desprezar a existência de casos particulares, onde a incidência da prescrição liberatória se torna até mesmo imprescindível, como, por exemplo, quando o juiz não está autorizado a agir de ofício (no caso de liquidação por artigos).

Nesse sentido também se mostra a doutrina de Sergio Pinto Martins (Direito processual do trabalho. 15.ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 612).

E a jurisprudência, de igual forma, a isso não se mostra alheia. O próprio TST, recentemente, abriu exceção à Súmula n.º 114, assim se posicionando:

“EXECUÇÃO DE SENTENÇA – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Não obstante o entendimento jurisprudencial desta Corte de que a prescrição intercorrente é inaplicável no processo trabalhista, entendemos que, excepcionalmente, poderá haver a possibilidade de declarar-se a prescrição intercorrente durante a fase de liquidação de sentença, porquanto, além de inexistir a alegada `obrigatoriedade’ do impulso ex-officio pelo juiz, a prescrição é instituto de garantia da paz social, impedindo a eternização das lides. Há muito se sabe que a Justiça não socorre os que dormem (dormienti bus jus non sucurrit). Além disso, não podemos esquecer que alguns atos só podem ser praticados pelas partes, como a apresentação de artigos de liquidação, sendo virtualmente impossível ao juiz substituí-las nestes casos. Encontrando-se o processo em execução de sentença, o recurso de revista somente se viabiliza na hipótese de demonstração inequívoca de violação direta de dispositivo da Constituição, nos termos do § 4.º do art. 896 da CLT e do Enunciado n.º 266 do TST. Recurso de Revista não-conhecido” (TST-RR-356.316/1997.6 – Ac. 1.ª T. Rel. Min. Ronaldo Lopes Leal. DJU 12.05.00, p. 262).

5. Momento da alegação

Em se tratando de prescrição intercorrente, a época para sua argüição não se confunde com aquela da prescrição argüível em qualquer instância (artigo 162 do atual Código Civil, que corresponderá, a partir de 12.03.03, ao art. 193, no novo Código Civil; e Súmula n.º 153 do C. TST).

De acordo com o art. 741, VI, do Código de Processo Civil e com o artigo 884, § 1.º, da CLT, a prescrição intercorrente, que vem depois da sentença exeqüenda, encontra seu momento próprio de defesa nos embargos à execução, embora já antes, na liquidação, também tenha lugar (no caso, por exemplo, de liquidação por artigos, onde o credor, devidamente instado, deixa transcorrer o prazo de dois anos – art. 7.º, XXIX, da CF – possibilitando a extinção do processo executivo com julgamento do mérito, conforme art. 269, IV, do CPC).

Sublinhe-se que só o devedor tem legitimidade para argüi-la, sendo defeso ao juiz decretá-la de ofício (RTFR 143/209, maioria, 152/187, Bol. AASP 1.492/174; TFR-AC 117. 362, AC. 117451, maioria, AC 119.415, AC. 125.961).

6. Conclusão

Apesar de acesa controvérsia ainda reinante, parece-nos possível tomar posição clara, e firme, no sentido que seja reconhecida a aplicabilidade da prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho. Alinhamo-nos com a posição eclética, defendida por Mauricio Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2002. p. 274-275), no sentido de que a prescrição intercorrente a que se refere o C. TST como inaplicável é aquela “no âmbito do processo de cognição trabalhista (…)”, sendo possível, assim, harmonizar as duas súmulas (do STF e do TST), admitindo-se a prescrição intercorrente nas fases de liquidação e executória do processo do trabalho, de acordo com o artigo 884, § 1.º, da CLT e art. 7.º, XXIX, da CF.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig

é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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