Prefeitos com mais força

Gaudêncio Torquato

Os prefeitos da safra de 2004 terão mais força que seus antecessores. E a razão está na própria força da sociedade organizada. As organizações sociais no País despertam as populações, levando-as a abandonar currais eleitorais. Os votos de cabresto diminuem a cada eleição. A vacina da Lei de Responsabilidade Fiscal, aplicada sob o olhar duro de um eleitor cada vez mais crítico e exigente, confere mais rigor à administração. O fisiologismo cultural não foi embora de todo, mas está sendo paulatinamente substituído pela cooptação social ancorada em ações substantivas, obras e projetos de interesse das comunidades. E não adianta um candidato à reeleição gritar que faltará verba para o município, caso seu opositor seja o vitorioso. Mais ainda: os prefeitos estão arquivando no baú o velho lema da política dos coronéis: “Para os amigos pão, para os inimigos pau”.

Um ou outro prefeito pode ainda ser apontado como exemplo da velha política. Mas os novos administradores certamente estarão imbuídos do ideal de servir, atentos para os movimentos sociais e, sobretudo, preocupados com o fato de que, não realizando boa gestão, serão despachados para casa na eleição seguinte. Promessas mirabolantes também já não fazem a cabeça do eleitor, cujas demandas se abrigam no terreno estreito da micropolítica. Nesta campanha, o dinheiro ficou mais curto, a não ser para o PT, que gastou montanhas. Mas a força da grana não teve o mesmo peso de ontem. Passadas as eleições, o eleitor vai exigir transparência administrativa, enxugamento de estruturas, racionalização de processos, prefeito circulando no meio do povo, desburocratização e simplificação de serviços.

Vai querer enxergar ainda na nova safra de prefeitos alguns valores que identifica como os eixos morais e técnicos do bom administrador. O valor da autoridade é seguramente um deles. O cidadão quer enxergar a figura do pai, com a expressão da autoridade, respeito, domínio do ambiente doméstico, o homem providencial capaz de suprir as necessidades da família. Não se deve confundir autoridade com autoritarismo, porque este conceito passa a abrigar outros componentes, como arbitrariedade, castigo ou brutalidade. O equilíbrio é outro valor que o eleitor quer ver no prefeito. Associa-se à harmonia do perfil, à serenidade, valor que, por sua vez, traduz sentimento de justiça. São dois valores que impregnarão os estilos dos prefeitos de adequadas doses de confiabilidade e respeitabilidade, condição para a consolidação de uma imagem forte.

Os desafios da administração exigirão conhecimento e experiência, ferramentas para abrir a porta das soluções rápidas, factíveis e justas. Trabalhar com a sociedade organizada, por meio de entidades que mobilizam os grupamentos sociais, é outra chave importante para o sucesso da administração. Parceria, eis, portanto, o conceito a ser implantado. O bom prefeito saberá criar um forte sistema de articulação com a sociedade. Se ficar todo tempo no gabinete, correrá o risco de esquecer o “cheiro das massas”. Os pés de um político devem, todo tempo, caminhar nas trilhas seguras do eleitorado. Por isso, a proximidade com o povo deve alimentar a agenda do prefeito. E jamais deverá ser considerado um indeciso. Se isso ocorrer, passará a imagem de administrador fraco, temeroso, tíbio.

A maior taxa de responsabilidade que incidirá sobre os 5.563 prefeitos a serem empossados em todo o País terá o endosso da malha de conscientização e controle, a cargo das organizações intermediárias da sociedade. Delas virão as maiores pressões. Por último, recomenda-se permanente afinação às demandas sociais. E seleção de focos prioritários. Prefeitos não se podem dar ao luxo do Mané do Poço, aquele da historinha: Mané caiu no poço profundo. Procura desesperadamente galgar as paredes. Está tão obcecado com a idéia de se salvar, que não vê um amigo lhe jogar uma corda. “Pegue a corda, Mané.” Mas o homem está surdo. O amigo joga uma pedra. Mané olha pra cima e grita furioso: “Não me enche, não vê que estou ocupado?”. E recomeça o seu trabalho como um zumbi. Se um prefeito cair no poço da insensibilidade, estará condenado a apagar rapidamente sua trajetória. O bom político é aquele que mantém uma sintonia fina com a população. Daí advirá sua identidade.

Se conseguir formar uma identidade capaz de simbolizar o ideal da mudança e das demandas sociais permanentes, o prefeito tem condições de atravessar os cinco ciclos da administração (início, crescimento, maturidade, clímax e declínio) sem grandes traumas. Por isso, planejar cada ciclo é tarefa que se faz urgente. Ao entrar na Prefeitura, no início de 2005, pelo menos as grandes estratégias envolvendo cada ciclo devem estar adequadamente planejadas. Um último conselho: seleção dos melhores profissionais de cada área para formar o secretariado. Acima de partidos ou facções. Esse desafio será impensável para muitos.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político. E-mail: gautor@gtmarketing.com.br

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