Pouco trabalho

Todo mundo que recebe ou paga salário Brasil afora está de olho nas mudanças que há muito tempo são referidas na legislação trabalhista. A importância dessa reforma, reclamada por uns, condenada por outros, fez com que as propostas de mudança e flexibilizações um dia imaginadas fossem deixadas para depois das reformas tributária e da Previdência pelo sindicalista que chegou à Presidência nas asas da esperança. Passados menos de onze meses de governo, ninguém mais tem certeza de que haverá de acontecer. Não pelo menos antes das eleições do ano que vem.

Admite o adiamento o próprio presidente da Câmara Federal, o deputado João Paulo Cunha, já em franca campanha pela sua própria reeleição ao cargo que ocupa. Exorbitando de suas funções e se antecipando ao que o governo diz ou pensa, ele anda afirmando que a reforma trabalhista já ficou para 2005. São favas contadas. No calendário da Câmara que, segundo João Paulo, só terá cinco meses de trabalho efetivo, “é muito difícil acomodar a reforma trabalhista” no ano que vem. O tempo (e as energias todas) será consumido pelo discurso eleitoral, já teste do próximo embate presidencial que muito de perto interessa ao presidente Lula. A grande obra do momento – já todo mundo vê e percebe – é a pavimentação da estrada para a reeleição em 2006.

Em nome desse projeto não explicitado já se negocia com todas as cartas no Planalto. Não é por outro motivo, por exemplo, que outra reforma importante – a tributária – também ficará para as calendas. Afirma-se em Brasília que o governo já desistiu de tocá-la como pretendia (um dia jurava-lhe incondicional submissão devido sua importância para alavancar o espetáculo do desenvolvimento e do crescimento): por ora, o que conta mesmo é a manutenção da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira e a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A primeira, garante sem muito esforço a folga no caixa; a segunda, mantém a liberdade de gastos que o governo, em nome do ajuste fiscal, não quer perder. A parte da reforma tributária que interessa aos contribuintes ficará para depois, na segunda ou na terceira etapa – lá em 2007, talvez… Na prática, repetem-se os episódios registrados ao longo do reinado de Fernando Henrique Cardoso, tão criticado, mas, despudoradamente, imitado até nos detalhes.

Tal como ocorria antes, o parlamento vê o tempo passar noutro arremedo de reforma previdenciária inacabada, enquanto abre mão de sua soberania de reformar para assistir o vaivém do Executivo no campo da arrecadação. As mudanças nas regras da Cofins – Contribuição do Financiamento da Seguridade Social, por exemplo, jamais teriam acontecido em pleno rito reformista sem reação à altura de um parlamento cioso de suas responsabilidades. A falta de correções nas tabelas do Imposto de Renda, idem. O pouco trabalho de nossos legisladores, no caso, é também sinônimo de preguiça e irresponsabilidade. Ou coisa pior.

Por conta dessa inapetência política, assiste-se a um espetáculo que faz pensar seriamente acerca dos papéis classicamente atribuídos ao parlamento em regimes de democrática saúde: não é no Congresso que aportam as pressões dos náufragos contribuintes contra mais esse arrocho no torniquete arrecadatório do Planalto. É na Justiça. Não são os intitulados representantes do povo a gritar contra as injustiças causadas pela elevação, num golpe só, de 3% para 7,6% nas alíquotas da Cofins; são entidades de classe, profissionais liberais, empresários que vão bater às portas do governo para dizer que não agüentam mais. E alheio à sua função legiferante, suas prerrogativas maiores de traduzir anseios e impor vontades, o Congresso passa a ser o palco aconselhado para remendos admitidos pelo mesmo poder que lhe usurpa a cena: o Executivo admite ter exagerado na dose, mas recomenda que os índices sejam revistos no bojo da apreciação da MP contestada no Judiciário. E o faz-de-conta parece não ter fim.

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