Por uma outra dimensão relacional entre educador e educando

“… não podereis superar a filosofia sem realizá-la…”.

(K. Marx(1))

O educando deve ter absoluta autonomia na construção do conhecimento – estudo e pesquisa -, o que, no fundo, deve ser uma qualidade provocada pelo educador que teima em fugir do lugar comum. O lugar comum professoral, isto é, uma mítica espécie relacional imposta secularmente por uma “acadêmica casta tutelar”(2) – ou seja, “catedráticos” que fazem questão de continuar apenas cultivando “as suas tutelas professorais” -, possibilita a continuidade da apreensão do saber. Ao invés disto, o educador deveria aprender com os novos estudos e as novas abordagens do conhecimento que surgem para além do científico, para além do metodológico, enfim, para além da ordenação e da disciplina, que, não raras às vezes, são impostas por um “professor” – o qual necessariamente não se revela como educador – que só reconhece como produção ou obra intelectiva “algo” que lhe fale mais de perto, isto é, que se amolde ao que apenas narcisamente consegue ler e (re) significar não só semântica, mas, principalmente, simbolicamente a partir do seu universo epistêmico-ideológico – que não deixa de ser uma dimensão autofílica – suprimindo, assim, quando, não, subtraindo, a emancipação do educando, enquanto pessoa que aprende, que conhece, enfim, que é um iniciante pesquisador. Uma certa “desorientação” é necessária como impulso propositivo para estimular a curiosidade e a investigação científica de todo educando que se aventura no ensino e na pesquisa. Porém, também, é certo que esta provocação desorientativa deve ser dosada e direcionada à reconstrução dos sistemas lógicos que se estabelecem como amarras da imaginação e da criatividade. Pois, todo aquele que ocupa a espacialidade privilegiada da “cátedra”, ou seja, que leciona não pode se desvincular dos propósitos pedagógicos – educação, emancipação e liberdade -, haja vista que enquanto educador, o seu compromisso é com as atuais e futuras gerações de pensadores. Lecionar, assim, como uma das importantes atividades da educação, necessita, pois, do estabelecimento de uma outra dimensão relacional entre educador e educando.

A mudança pessoal, a transformação cultural, enfim, todo passo adiante, é, e, constitui-se num movimento de emancipação social, e, conseqüentemente, de melhoria da qualidade de vida(3). Contudo, os benefícios produzidos pelo progresso científico-tecnológico não podem ser divorciados do indispensável investimento no fator humano(4). Isto é, os significativos avanços do conhecimento devem possibilitar novas expectativas acerca do desenvolvimento pessoal e social, rompendo, pois, com a toda e qualquer forma de cultuar padrões de comportamentos, crenças e instituições que, no mais das vezes, impedem outras perspectivas civilizatórias. As mudanças sociais podem muito bem ser operadas mediante a superação de forças que têm historicamente conduzido ao niilismo ou ao desespero – segundo Celso Furtado, para quem – tais mudanças exigem ação criativa e autonomia imaginativa, e, isto, apenas se dá quando se propõe a transformar as idéias em ações(5). A ditadura metodológica, por vezes, tem determinado o sepultamento da vivacidade que todo estudo e pesquisa devem possuir para que sejam incorporados no mundo da vida vivida, e, para além da penitenciária central da cultura, em que se tem constituído a universidade(6). Oxalá, a experiência de uma relação educacional extremamente democrática, por assim dizer, respeitosa entre educador e educando, nesta peculiar e circunstancial fase educacional do desenvolvimento da personalidade humana, possa colaborar para a autonomia de ambos não só na dimensão acadêmica, mas, principalmente, para o mundo da vida vivida, ensejando, pois, o reconhecimento e o respeito às opções pessoais, inclusive, evitando-se com isto as amarras que invariavelmente são impostas pelo sistema penitenciário do “saber construído nas academias”. As universidades têm que cada vez mais deixar de ser meramente um espaço acadêmico ou mesmo tecnicista, e, buscar identificar as necessidades sociais, auxiliando, pois, na (re) construção de condições para a melhoria da qualidade de vida da comunidade em que se encontra inserida. O educador e o educando devem, assim, conjugar realizações criativas, superando, pois, as limitações instrumentais, na construção do presente através da transformação de idéias em ações que possibilitem melhorias da qualidade de vida e o estabelecimento de condições de um futuro melhor.

Notas

(1) MARX, Karl. A questão judaica. 2.ª ed., São Paulo (SP): Moraes, 1991, p. 115.

(2) JECUPÉ, Kaka Werá. Todas as vezes que dissemos adeus. (Oré awé roiru’a ma). 2.ª ed., São Paulo (SP): Triom, 2002, Prefácio.

(3) RAMIDOFF, Mário Luiz. Trajetórias jurídicas: desafios e expectativas. Florianópolis (SC): Habitus, 2002, p. 93 e ss.

(4) FURTADO, Celso. Um projeto para o Brasil. 3.ª ed., Rio de Janeiro (RJ): Saga, 1968, p. 17 e ss (Imagem do Brasil, Vol. 6).

(5) FURTADO, Celso. Op. cit.

(6) JAPIASSU, Hilton. Questões epistemológicas. Rio de Janeiro (RJ): Imago, 1981, p. 80 (Série Logoteca). De acordo com o autor, “ensina-se uma especialização que constitui um fator de cegueira intelectual, a morte da vida, ou que revela uma razão irracional”.

Mário Luiz Ramidoff

é professor da Faculdade de Direito de Curitiba.
marioramidoff@ig.com.br

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