Por que aprovar as reformas?

Dois fatos noticiados recentemente chamaram a atenção da população pela ousadia e pela coragem dos seus protagonistas.

A imprensa internacional anunciou que o alpinista Aron Raslton teve o braço amputado numa montanha do estado americano de Utah. Depois do quinto dia preso sob uma enorme pedra, e quando a água do cantil acabou, o montanhista cortou o próprio braço com um canivete, logo após o cotovelo, improvisou um torniquete para impedir que uma hemorragia o matasse e caminhou por mais de uma hora até encontrar socorro.

No último dia 30 de abril, o presidente da República, acompanhado de todos os 27 governadores, entregou ao Congresso Nacional as propostas de reforma tributária e da Previdência Social. A proposta da Previdência contém medidas duras, como a cobrança da contribuição dos inativos e o aumento da idade, além de limitar o valor que o trabalhador receberá ao se aposentar.

A Previdência foi feita para garantir a aposentadoria das pessoas na velhice. O problema é que, no Brasil, o sistema está gerando um enorme desequilíbrio nas contas públicas e pode comprometer o futuro dos aposentados e de toda a nação. Em 2002, o déficit nas contas da Previdência passou dos 70 bilhões de reais e chegará aos R$ 80 bi neste ano. Os 20 milhões de aposentados do INSS provocaram um furo de R$ 17 bilhões no caixa. Os outros R$ 53,8 bilhões vieram dos 3 milhões dos funcionários públicos inativos, dos quais a União pagou R$ 28,5 bilhões, os estados R$ 22 bilhões e os municípios arcaram com R$ 3,3 bilhões.

O que cobre o furo do caixa da Previdência é o dinheiro dos impostos, pagos por todos. Esta situação deixa o governo cada vez mais endividado e, para rolar as dívidas, ele é obrigado a oferecer juros altíssimos para o mercado financeiro, como, aliás, vem fazendo há tempos. Com juros altos, os empresários não conseguem linhas de crédito razoáveis para abrir novos negócios, os empregos desaparecem e o governo tem cada vez menos recursos para investir em saúde, educação, estradas e em outras atividades essenciais. Com menos pessoas empregadas, a contribuição da Previdência também cai e o rombo cresce.

Outro fator que desequilibra a Previdência atualmente é o da longevidade e do envelhecimento da população. Até 1970, para cada brasileiro aposentado havia outros sete trabalhando. Hoje, esta relação não chega a dois por um. Quando o sistema previdenciário foi planejado, a expectativa de vida era pelo menos 15 anos inferior que a de hoje. Com as melhorias nas condições de vida, essa diferença tende a aumentar. Na Europa, todos os países acabaram com a aposentadoria por tempo de serviço e, em muitos deles, já se estuda a aposentadoria só a partir dos 70 anos. Evidente que não se pode comparar a população do Brasil à do continente europeu, mas era previsível que o nosso sistema de previdência quebrasse pagando aposentadorias a pessoas com pouco mais de 40 anos de idade.

De todos os pontos da reforma da Previdência, o que mais provoca polêmica é o da taxação dos inativos. Os aposentados contribuirão com 11% sobre o valor que exceder a R$ 1.058,00 do seu benefício. O governo usa de dois argumentos para taxar os inativos. Primeiro, o de que, até 1992, os servidores públicos não descontavam nada para a Previdência Social. Segundo, o da média atual dos benefícios do INSS, aposentados da iniciativa privada, que é só de R$ 375,00 por mês. Já a média paga aos aposentados do Poder Executivo é de R$ 2.272,00, dos militares R$ 4.265,00, do Poder Legislativo R$ 7.900,00, do Poder Judiciário R$ 8.027,00 e do Ministério Público da União R$ 12.571,00.

Como se vê, o grosso da contribuição dos inativos virá dos servidores públicos aposentados. E uma parte deles nunca pagou nada para a Previdência. Cabe perguntar: o que é menos ruim, cobrar um pouco dos que podem contribuir mais ou deixar a Previdência Social e o governo quebrarem e todos irem juntos para o buraco? Nunca é demais lembrar que a Argentina afundou, também, porque a riqueza do país foi caindo gradativamente e o governo não conseguiu colocar um freio nos seus gastos. Resultado: em menos de oito anos, o número de pobres argentinos pulou de 34% para 53% da população.

Uma semana depois de amputar o próprio braço, o alpinista americano deu uma entrevista anunciando que dentro de dois meses estará pronto para voltar ao batente. Quem ouvisse a simples notícia de que um montanhista cortou o próprio braço imaginaria que o sujeito estava louco ou não gostava mais de si. Porém, ao saber que ele teve a coragem de amputar uma parte para salvar o restante do corpo, e a própria vida, todos passaram a chamá-lo de herói.

Quem não conhece os números ou a realidade do sistema previdenciário no Brasil pode pensar que o Presidente da República, um operário, também devia estar mal do juízo ou não gostando mais dos trabalhadores quando propôs algumas medidas amargas para a reforma da Previdência. Bobagem! Lula, tal qual o alpinista, ao se deparar com a enorme pedra que ameaça de morte nosso sistema de Previdência Social, foi muito corajoso ao sugerir medidas que cortam na própria carne, mas que poderão salvar um país inteiro do perigo de quebrar e que garantirão um futuro melhor para nossos filhos e nossos idosos.

ASSIS MIGUEL DO COUTO é deputado federal pelo PT-PR e agricultor familiar.

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