Políticas públicas e o protagonismo juvenil

Políticas públicas constituem propostas do Estado que são formuladas com o objetivo do cumprimento de seu papel institucional e indelegável de atuar na promoção do bem-estar de todos, especialmente pelo asseguramento e universalização dos direitos elementares à cidadania, tais como educação, saúde, habitação, saneamento, urbanização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e, em caráter supletivo, assistência social. Quanto mais injustas as estruturas estabelecidas numa sociedade, maior a necessidade de intervenção positiva do Estado no sentido da regulação e proteção social (portanto, o discurso do “Estado-Mínimo” comparece absolutamente inadequado à realidade dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, onde se encontram, no meio social, parcelas significativas de marginalizados, ou seja, de pessoas que vivem à margem dos benefícios produzidos pela sociedade). A modificação da realidade social, todavia, não se dá apenas com a formulação de políticas públicas, mas sim com a canalização dos recursos públicos necessários à implementação dos objetivos, das diretrizes e das estratégias destinados à sua respectiva execução. Vale dizer, para que as políticas públicas traçadas não permaneçam meras declarações retóricas (e, por isso mesmo, postergadas na sua efetivação ou totalmente relegadas ao abandono), é necessária a previsão dos recursos orçamentários indispensáveis ao financiamento das mesmas. Daí a compreensão de que o lugar da cidadania é no ordenamento jurídico (principalmente no campo dos comandos constitucionais) e nos planos governamentais, mas também – e inafastavelmente – nos orçamentos públicos.

Embora recomendação aprovada no documento resultante da avaliação do Cairo +5, referendado na 21.ª Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU (realizada em 1999), no sentido de que “as políticas voltadas para os jovens devem envolvê-los de maneira ativa no delineamento, implementação e avaliação de tais programas”, forçoso reconhecer que os jovens se encontram ainda muito aquém de uma desejada interferência positiva na realidade que estão a vivenciar. No Brasil, infelizmente, a regra é a do não reconhecimento da política como espaço relevante – e indispensável – na vida social. Soma-se aqui a experiência negativa da falta de participação das gerações que experimentaram a opressão da ditadura militar iniciada em 1964 (vale dizer, dos que não participaram das questões políticas nos vinte anos de regime militar e agora, enquanto adultos, não abrem espaços – e até criam obstáculos – à participação dos jovens) com o fato de que, pela via da manipulação ideológica, declara-se atualmente o desaparecimento das utopias, dando-se a entender que não mais existe campo para os ideais de justiça e solidariedade (de molde a afastar o interesse pelas questões relativas ao tipo de sociedade e de Estado em que se vive, assim como o papel que neles se pode desempenhar). Ainda, verificam os jovens na prática cotidiana a supremacia dos valores ditados pela ordem econômica (na maioria das vezes, estabelecidos a partir de determinações geradas nos escritórios acarpetados de empresas multinacionais ou transacionais, que querem ver mais competitividade, produtividade, lucratividade, etc.) em detrimento daqueles infirmados pela igualdade, fraternidade, solidariedade e respeito à dignidade da pessoa humana. O imobilismo (que, aliás, não é uma postura politicamente neutra, mas sim com a carga de propiciar a manutenção do status quo vigente) e o desinteresse (decorrente da ignorância política) acabam então prevalecendo. De igual maneira, a maioria dos jovens não integra movimentos populares ou organismos da sociedade civil, que se constituem, quando fundados em objetivos genuinamente democráticos, significativos espaços de politização e, por isso mesmo, de protagonismo (do grego, proto que significa “o principal” e agonistes que significa “lutador”) consciente.

A participação não é um fenômeno produzido pela “natureza das coisas”, mas, isto sim, uma área de intervenção conquistada. Exceto no que toca aos governantes que professam verdadeira democracia (e, de conseqüência, buscam legitimidade popular), a regra é a de não se compartilhar o poder com a população, principalmente quando, como ocorreu aqui no Brasil, verifica-se a hipertrofia do executivo, determinando supremacia do mesmo, em relação aos demais poderes. A co-gestão das coisas públicas pela participação da sociedade civil, o exercício do poder diretamente pelo povo, a denominada democracia participativa (prevista expressamente no par. único, do art. 1º, da Constituição Federal), carecem de efetividade na realidade política brasileira. Além da atividade político-partidária (inclusive concorrendo a cargos eletivos e, dessa sorte, agindo diretamente na esfera estatal), os jovens podem ampliar sua intervenção nas políticas públicas integrando organismos estatais que contemplem a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (conforme previsão do inciso II, do art. 204, da Constituição Federal) ou, ainda, colaborando no processo já desencadeado de organização popular (filiando-se a grêmios estudantis, movimentos populares, associação de moradores, comunidades de base, sindicatos, etc.). Na área específica da infância e juventude, entre outras formas, possível a participação nos Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (que têm a incumbência de formular a política de atendimento a tal população em todos os níveis e deve contar com composição paritária entre representantes dos órgãos públicos e das entidades da sociedade civil) e nos Conselhos Tutelares (composto por pessoas eleitas pela comunidade e a quem incumbe, além da fiscalização de todo o sistema de atendimento e crianças e adolescentes, também a atenção e encaminhamento de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal, familiar ou social), assim como nos Centros de Defesa e nos Fóruns dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O interesse pela política em geral e, em especial, pelas políticas públicas, significa a possibilidade da superação de uma postura de mero espectador dos acontecimentos sociais, permitindo o surgimento do cidadão sujeito da história e construtor de nova ordem social. O jovem protagonista, que atende a propósitos de desenvolvimento do senso crítico, da responsabilidade social, do sentimento participativo, da expressão franca e livre do pensamento, acaba se constituindo importante agente político de transformação social, inclusive na progressiva inclusão da solidariedade como valor supremo de um estado de direito democrático (aqui, entendendo-se que a desejada isonomia material se dá não apenas quando todos são tratados de forma igual perante a lei mas, isto sim, quando todos são tratados de forma igual na lei, buscando-se inclusive o tratamento necessariamente privilegiado para aqueles que são desiguais na realidade social). Por outro lado, o desinteresse pela política importa colaborar na manutenção das injustiças sociais, em ser, face à omissão, co-responsável pela situação de indignidade e subcidadania experimentada pelos excluídos sociais (daí a correta sentença de Brecht no sentido de que o pior dos ignorantes é o analfabeto político).

Não obstante 31% da população brasileira (isto é, cerca de 49 milhões) ser composta por pessoas na faixa etária entre 10 e 24 anos, verifica-se a inexistência entre nós de uma política pública de juventude, capaz de responder a necessidades específicas dos jovens, bem como de garantir, por essa via, um projeto de nação progressivamente melhor e mais justa. Embora a comemoração em 1985 do Ano Internacional da Juventude (e a elaboração da Resolução 40/14, da Assembléia Geral das Nações Unidas) e a adoção em 1995 do Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além (Resolução 50/81), não contamos ainda com uma política nacional de juventude de caráter integral, abrangente da questão juvenil em todos os seus componentes. Aliás, mesmo no que diz respeito aos direitos mais elementares para tal população, como educação (enquanto espaço adequado para o desenvolvimento pessoal e de preparo ao futuro exercício da cidadania), saúde (aqui incluindo informações e serviços pertinentes ao desempenho da vida sexual e reprodutivas seguras) e profissionalização (de iniciação profissional e bem assim de inserção no mercado formal de trabalho) constata-se a falta de efetividade dos nossos planos governamentais. Num plano geral, sabemos que nosso país – pela política econômica adotada – acabou se transformando no campeão mundial das desigualdades sociais, determinando com que as riquezas, produzidas por todos, acabassem concentradas em mãos de grupos minoritários e hegemônicos (detentores do poder econômico e, freqüentemente, do poder político), que se beneficiam da estrutura social injusta estabelecida, em detrimento de uma maioria de excluídos sociais (assim os sem-alimentação, os sem-teto, os sem-terra, os sem-saúde, os sem-educação, os sem-profissionalização, os sem-trabalho, os sem-salário-justo, ou seja os sem-oportunidade-de-vida-digna). Enfim, a participação dos jovens na política em geral e, de maneira específica, na formulação e execução das políticas públicas (dando inclusive especial atenção às leis orçamentárias, que precisam ser acompanhadas desde a elaboração dos planos plurianuais, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, pela lei orçamentária propriamente dita e até o acompanhamento de sua execução; bem como lembrando que, em razão de comando da prioridade absoluta, contemplado no art. 227, da Constituição Federal, a área da infância e juventude deve receber destinação privilegiada de recursos), certamente trará resultados positivos na formação cidadã de cada um deles (que inclui o desenvolvimento de salutar sentimento de indignação frente às injustiças e de solidariedade em relação aos injustiçados) e, mais que isso, importará significativa contribuição ao indispensável controle social das ações estatais, ajustando-as ao objetivo fundamental da República Federativa do Brasil que é o de instalar uma sociedade livre, justa e solidária.

Olympio de Sá Sotto Maior Neto

é procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.

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