O governo federal corre o risco de ser obrigado a pagar pelo menos duas vezes por uma mesma obra. Reportagem publicada pela revista IstoÉ na edição que chegou às bancas neste fim de semana, trata de uma novela que os paranaenses conhecem bem: a Ferrovia Central do Paraná, um trecho de 240 km entre Apucarana e Ponta Grossa, construído em 1968 pelo consórcio Transcon-Amurada, liderado pela empreiteira C. R. Almeida.

Há 10 anos o Paraná cobra na Justiça o ressarcimento, pelo governo federal, de todas as despesas com a ferrovia. E este ano o Supremo Tribunal Federal vai definir quem tem razão nessa disputa. Se for condenada, a União terá que pagar uma dívida atualizada estimada em R$ 20 bilhões. Isto significa um desembolso 43% maior que todo o corte de despesas feito pelo governo Lula no orçamento da União, além de comprometer a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) acertada para este ano entre o governo brasileiro e o Fundo Monetário Internacional. O valor atualizado da ação é gigantesco se comparado, por exemplo, com os R$ 216 milhões recebidos pela União na privatização de toda a malha ferroviária do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Improcedente

O julgamento do STF está sendo feito por nove dos onze ministros, já que Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes se consideraram impedidos por envolvimento direto ou indireto com o tema. Até a semana passada a ação impetrada pelo Paraná tinha sido classificada improcedente por três ministros do Supremo ? o relator Ilmar Galvão, Ellen Gracie e Maurício Correia ? e considerada justa por Nelson Jobim. Ainda faltam os votos de outros cinco ministros. O debate no Supremo é polêmico e já foi paralisado duas vezes com pedidos de vistas de ministros. A ação está agora com o ministro Carlos Veloso que pediu prazo para se manifestar.

A controvérsia entre o Paraná e a União começou em 1979 quando a C. R. Almeida entrou com mais de 20 ações na Justiça contra o Estado, alegando que ainda tinha a receber pela obra. Depois da condenação na Justiça estadual, em 1993 o governo paranaense entrou com uma ação cível no Supremo, cobrando da União as indenizações pagas na desapropriação de terras para a construção da ferrovia e por outros serviços prestados pela empreiteira. O principal argumento do Estado é que a União se comprometeu, em convênios formais, a indenizar “todas as despesas” do Paraná com a ferrovia, que fazia parte do Plano Ferroviário Nacional e depois foi incorporada ao patrimônio da Rede Ferroviária Federal ainda na fase estatal.

A decisão da Justiça estadual deu à C. R. Almeida o direito de receber as dívidas atualizadas, com juros, além de indenização por perdas e danos, ultrapassando os R$ 20 bilhões. “A ação do Paraná é uma aventura judiciária”, critica o advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro da Costa. Uma perícia contábil feita há dois anos a pedido do Supremo constatou que o governo federal já pagou US$ 84,5 milhões, muito mais que o limite fixado na primeira cláusula do convênio assinado entre a União e o Paraná em julho de 1971. Uma semana antes de deixar o cargo e atendendo pedido do então governador Jaime Lerner, o presidente Fernando Henrique Cardoso tentou fazer um acordo para fazer os pagamentos, mas a solução foi vetada pela advocacia geral da União por considerar a dívida indevida.

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