Quadro Negro

“Se der errado, eu não sei de nada”, diz delator sobre Richa

Governador Beto Richa participou de missa pela manhã e falou com a imprensa; criticou a desintegração do transporte coletivo.
Governador Beto Richa participou de missa pela manhã e falou com a imprensa; criticou a desintegração do transporte coletivo. Foto: Jonathan Campos

O ex-diretor da Secretaria de Educação (Seed) Maurício Fanini detalhou, em depoimento prestado ao Ministério Público do Paraná (MP-PR), como foi articulado o esquema por meio do qual foram aditivados contratos com a Valor Construtora – epicentro da Operação Quadro Negro. Segundo os relatos, o acerto envolveu o presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSDB), e o secretário da mesa-diretora, Plauto Miró (DEM). Ainda segundo Fanini, tudo contava com a aprovação do então governador, Beto Richa (PSDB).

“Conversei com o Ezequias [Moreira, então secretário de Cerimonial], com o Beto [Richa]. Daí o Beto me falou: ‘Se isso daí der errado, eu não sei de nada’. Isso ele me falou na época”, relatou o ex-diretor.

Fanini está preso desde setembro do ano passado, acusado de lavagem de dinheiro. O depoimento foi tomado em Brasília, para onde foi transferido por motivos de segurança. Ele foi ouvido por promotores dos grupos do MP-PR de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e de Proteção ao Patrimônio Público (Gepatria), no âmbito de um inquérito civil que terminou com Richa, Traiano e Plauto denunciados por improbidade administrativa.

Aditivos

Segundo o ex-diretor da Seed, o esquema dos aditivos foi posto em prática em 2014, para levantar recursos para a corrida eleitoral. Para vencer as licitações para construções ou reformas em escolas estaduais, a Valor Construtora apresentava preços mais baixos que o usual. Posteriormente, os contratos recebiam aditivos milionários, que aumentavam em cerca de 25% o valor das obras. É esse dinheiro que a empresa usaria para repassar propina ao núcleo político, principalmente à campanha de reeleição de Richa, via caixa 2 – conforme as investigações.

Os recursos para bancar esses aditivos vieram das “sobras de orçamento” que a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) devolveu ao Executivo. Seis contratos da Valor foram aditivados e passaram a receber um aporte extra de R$ 5,9 milhões. Segundo Fanini, em decorrência disso, Traiano, Plauto e o deputado Valdir Rossoni (PSDB) também receberam propina.

“Isso foi tratado com o Traiano, foi tratado com o Plauto Miró, que iria ser devolvido um dinheiro também e que esse dinheiro serviria pra fazer esses aditivos. E foram feitos os aditivos da Valor. Só os da Valor que foram aprovados naquele momento. Foram seis aditivos naquele momento”, disse o ex-diretor.

Fanini disse ter sido chamado para uma conversa por Plauto Miró, que queria saber se “dava pra fazer negócio” com Lopes de Souza. Questionado por um dos promotores sobre o que significava, naquele contexto, a expressão “fazer negócio”, o ex-diretor respondeu: “Receber propina”. “Foi o que o Plauto recebeu depois”, completou.

“Despachante”

Todos os aditivos liberados foram assinados pelo então governador Beto Richa. Para chegar à mesa do chefe do Executivo, os processos tinham que enfrentar uma longa tramitação, passando por outras 12 pessoas. Segundo Fanini, para agilizar o andamento dos aditivos, a Valor mantinha uma “despachante” dentro do governo: a servidora estadual Marilane Aparecida Fermino. De acordo com o depoimento, ela recebia pagamentos de Lopes de Souza, para dar prioridade à tramitação dos processos de interesse da construtora.

Fanini disse ainda que o esquema se valeu do mesmo texto para todos os pedidos e justificativas de aditivos. “Chega a ser uma afronta até, porque o texto é grosseiro. O pedido do aditivo é o mesmo para todas as obras. Era de propósito mesmo. Eu não fiz questão de melhorar aquilo. Se desse errado, eu teria como provar que aquilo era tudo forjado e que eu não estava fazendo sozinho aquilo”, disse.

Dinheiro na caixa de vinho

O ex-diretor da Seed confessou que também se beneficiou com o esquema. Ele relatou que, no fim de 2014, pediu “mais um pagamento” a Lopes de Souza – porque parte da propina que ele tinha recebido anteriormente teria sido destinada a Richa. Segundo o depoimento, o dono da Valor lhe entregou R$ 500 mil, em espécie. O dinheiro foi entregue próximo ao Natal, em uma caixa de vinho.

“Encerrada a campanha, eu pedi mais um pagamento pro Eduardo, que, assim, eu falei: ‘Esse dinheiro é pra mim’. Porque o dinheiro que eu tinha arrecadado, eu tinha entregue. E gasto. Ele me levou R$ 500 mil na minha casa, disfarçado em uma caixa com vinhos. Era véspera de Natal, 23 de dezembro, algo assim. Esse eu não prestei contas ao governador, pra ninguém”, afirmou.

Outro lado

A assessoria de Richa emitiu nota em que afirmou que “as fraudes e desvios cometidos em obras de construção e reforma de colégios da rede pública de ensino foram descobertos e denunciados pela própria gestão do ex-governador Beto Richa. Por orientação do ex-governador, no âmbito administrativo, todas as medidas cabíveis contra os autores dos crimes foram tomadas”.

A defesa de Rossoni criticou a apresentação da ação de improbidade às vésperas da eleição e argumentou que o deputado sequer tinha conhecimento prévio do processo. A defesa diz ainda que vai tomar providências junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, para que seja apurada a prática que adotaram e para que sejam punidos com rigor. O advogado consideram também que a ação vai ser julgada improcedente.

O deputado Plauto Miró emitiu nota em que afirma que “não foi intimado oficialmente sobre qualquer espécie de ação, e lamenta publicização pelo Ministério Público, justamente na semana em que se encerra o período eleitoral. Portanto, não se manifestará sobre a questão”.

A defesa de Traiano disse que se manifestará nos autos.

A Gazeta do Povo não conseguiu localizar a defesa de Marilane Fermino – que trocou de advogado. Em outra ocasião, a servidora havia declarado que apenas seguia ordens e que jamais recebeu qualquer valor ilícito.

A Quadro Negro

Até agora, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) apontou que os desvios efetuados a partir do esquema investigado pela Operação Quadro Negro já assaram de R$ 30 milhões. Os recursos dizem respeito a obras em 15 colégios. O rombo, no entanto, deve ser muito maior, já que estão em andamento processos relacionados a outras 38 escolas, por parte do MP-PR.

A operação foi deflagrada em julho de 2015, pela Polícia Civil do Paraná. Posteriormente, com o aprofundamento das apurações e com indícios de participação de servidores do governo estadual, o caso passou a ser investigado pelo Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio (Gepatria) e pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ambos do MP-PR.

De acordo com as investigações, a Seed liberava o pagamento a construtoras a partir de medições fraudulentas das obras, que apontavam que as construções ou reformas estavam em estágio bem mais avançado do que, efetivamente, se encontravam.

Preso na operação, o dono da Valor Construtora, Eduardo Lopes de Souza, se tornou o principal delator do esquema de corrupção e apontou que o dinheiro desviado das escolas teria abastecido a campanha de reeleição do governador Beto Richa (PSDB). Segundo o empresário, o ex-diretor da Seed, Maurício Fanini – que está preso – teria dito que o objetivo era levantar R$ 32 milhões à campanha de Richa, por meio dos desses desvios.

Lopes de Souza relatou que deputados estaduais também teriam recebido propina.

Todos os citados nas delações sempre negaram envolvimento no esquema. Beto Richa coloca reiteradamente em dúvida a palavra de Lopes de Souza, a quem classifica como “criminoso confesso”.

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