Investigação

O que se sabe das mensagens vazadas de Moro

Foto: Pedro Serapio/Arquivo/Tribuna do Paraná
Foto: Pedro Serapio/Arquivo/Tribuna do Paraná

O site The Intercept Brasil divulgou uma série de reportagens a partir do conteúdo de supostas conversas em aplicativo de mensagem atribuídas ao ministro e ex-juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro, ao procurador Deltan Dallagnol e a outros integrantes da força-tarefa da operação.

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As reportagens indicam o que seriam comportamentos ilegais e partidarizados de membros da investigação. A Gazeta do Povo elencou tudo o que se sabe até agora sobre o caso: qual o teor das reportagens, o que a Lava Jato e Moro dizem e até mesmo o que é o site Intercept Brasil.

O que o Intercept Brasil divulgou sobre a Lava Jato?

No domingo (10), o Intercept Brasil publicou um editorial e três reportagens elaboradas a partir do conteúdo de supostas conversas no aplicativo de mensagens Telegram atribuídas ao procurador-chefe da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, e ao ex-juiz do caso e atual ministro da Segurança, Sergio Moro.

Foto: André Rodrigues/Arquivo/Tribuna do Paraná
Foto: André Rodrigues/Arquivo/Tribuna do Paraná

O site também obteve supostas conversas no Telegram de Dallagnol com outros interlocutores e diálogos em “chats privados” de procuradores da Lava Jato. Segundo o Intercept, as conversas, realizadas entre 2016 e 2018, mostram “discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato”. O Intercept internacional, por sua vez, publicou em língua inglesa duas matérias com o conteúdo resumido das reportagens divulgadas no site brasileiro do veículo de comunicação.

O que diz a primeira reportagem?

A primeira reportagem do Intercept afirma que, em chats privados de procuradores da Lava Jato, integrantes da Lava Jato reagiram indignados à possibilidade de que o ex-presidente Lula pudesse dar entrevista, de dentro da cadeia, antes das eleições do ano passado – conforme havia sido autorizado judicialmente em setembro de 2018 pelo ministro do STF Ricardo Lewandowski. O site informa que uma procuradora inclusive teria exposto a preocupação de que o então candidato do PT, Fernando Haddad, pudesse vencer a disputa presidencial por causa desse tipo de entrevista. As mensagens também indicariam que os procuradores manobraram para que a entrevista não ocorresse.

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O Intercept conclui, com base nessas mensagens, que isso mostra a partidarização da Lava Jato contra o PT. Em 2018, a autorização para Lula falar com jornalistas foi barrada pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli. Mas em 2019 as entrevistas foram liberadas. E o petista falou.

O que diz a segunda reportagem?

A segunda reportagem publicada pelo Intercept afirma, baseado nas supostas conversas, que o procurador Deltan Dallagnol, quatro dias antes de apresentar a denúncia contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá, em 2016, ainda tinha dúvidas sobre a solidez das provas contra o petista e buscava mais elementos para embasar a acusação. A reportagem sugere, com base nas mensagens atribuídas a ele, que a Lava Jato “forçou a mão” para acusar Lula.

O que diz a terceira reportagem?

A terceira reportagem traz a transcrição de supostos diálogos entre Deltan Dallagnol e Sergio Moro nas quais o então juiz da Lava Jato cobra do procurador a deflagração de fases da operação, propõe a troca de ordem de novas etapas da investigação e dá sugestões ao trabalho do Ministério Público Federal (MPF). Segundo a matéria do Intercept, Moro também antecipou ao menos uma decisão judicial nas conversas privadas.

A reportagem afirma que a conduta de Moro, segundo as conversas atribuídas a ele, é proibida pela Constituição, que assegura que “as figuras do acusador [MPF] e do julgador [juiz] não podem se misturar” para garantir a imparcialidade dos julgamentos.

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Por que a Gazeta do Povo trata os diálogos divulgados como “supostas conversas”?

A Gazeta do Povo trata as mensagens como supostas conversas porque o Intercept Brasil não expôs a informação primária – por exemplo, com cópias (prints) das telas do aplicativo utilizado, no caso, o Telegram. Toda a informação publicada até esta segunda-feira (10) é fruto de edição ou interpretação do conjunto de dados ao qual o site diz ter tido acesso.

Como o Intercept conseguiu as supostas conversas?

No editorial e nas três reportagens, o Intercept afirma que obteve as conversas – bem como “áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens” – de uma “fonte anônima” que “estava ansiosa para repassá-las a jornalistas”. Teoricamente, o termo “fonte anônima” indica que o Intercept desconhece a identidade da pessoa que repassou o material que embasou o conteúdo jornalístico. Se o site soubesse quem ela é, mas apenas quisesse preservar sua identidade, deveria ter usado a expressão “fonte sigilosa” ou “fonte que pediu anonimato”. Como o site não trouxe outros esclarecimentos, contudo, é impossível saber exatamente qual é a condição da fonte.

As conversas foram obtidas pelo mesmo hacker ou grupo de hackers que invadiu o celular de Moro e dos procuradores?

Neste momento, é impossível saber. O Intercept informa que recebeu as informações “há algumas semanas” e faz questão de frisar: “bem antes da notícia da invasão do celular do ministro Moro”, revelada dias antes. O site também destaca que o próprio Moro “afirmou que não houve captação de conteúdo” de seu celular, sugerindo que o material não foi obtido a partir do telefone do ex-juiz. Apesar disso, procuradores da Lava Jato também relataram ter sido alvo de hackers.

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A obtenção das supostas conversas é legal? E a divulgação delas?

A obtenção de conversas de terceiros em aplicativos de mensagem, sem autorização judicial (caso do material divulgado pelo Intercept), é ilegal. Essa ilegalidade indiscutivelmente teria sido cometida por quem as obteve. A divulgação desse tipo de material por veículos jornalísticos, porém, não costuma ser punida judicialmente desde que fique caracterizado o relevante interesse público deste conteúdo. O Intercept tampouco é obrigado a revelar sua fonte para que ela seja processada. A Constituição assegura aos jornalistas o sigilo de suas fontes.

Por que o Intercept divulgou as reportagens sem procurar ouvir Moro e os procuradores citados?

Por praxe, jornalistas costumam buscar ouvir o “outro lado” antes de publicarem reportagens. O Intercept não fez isso. E justificou usando como argumento um suposto risco de censura prévia. “Ao contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de procuradores e outros envolvidos nas reportagens para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si”, diz o site em suas reportagens.

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O que é o Intercept Brasil?

The Intercept Brasil é um site de jornalismo investigativo com linha editorial de esquerda fundado em 2016 pelos jornalistas norte-americanos Glenn Greenwald e Jeremy Scahill, que são os editores responsáveis pela publicação. É um braço do site norte-americano The Intercept, veículo com o mesmo perfil de cobertura jornalística, no ar desde 2014.

Quem é Glenn Greenwald?

O jornalista Glenn Greenwald (direita) com o marido, o deputado federal David Miranda (esquerda). Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil
O jornalista Glenn Greenwald (direita) com o marido, o deputado federal David Miranda (esquerda). Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

O jornalista Glenn Greenwald, nome mais conhecido do The Intercept, foi o autor da série de reportagens do jornal britânico The Guardian que, em 2013, revelou a existência de um amplo programa de espionagem do governo dos Estados Unidos, vazado para a imprensa pelo ex-agente da NSA Edward Snowden. Greenwald tem relação de proximidade com o Brasil por ser casado com o deputado federal David Miranda (PSol-RJ).

O que a força-tarefa da Lava diz sobre a denúncia do Intercept?

A força-tarefa em Curitiba emitiu duas notas em que afirma ser vítima de um crime, nega ter cometido ilegalidades e na qual defende seus métodos.

O que diz a primeira nota da força-tarefa da Lava Jato?

Na primeira nota, divulgada ainda no domingo (9), os procuradores afirmaram que foram vítimas “de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”.

“Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”, afirmaram os procuradores. “Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de operação”, disseram os integrantes da força-tarefa.

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O que diz a segunda nota da força-tarefa da Lava Jato?

Na segunda nota, publicada na manhã desta segunda-feira (10), o MPF esclareceu alguns trechos das conversas divulgadas pelo Intercept. Um dos esclarecimentos é sobre a discussão envolvendo provas no caso do tríplex. Os procuradores afirmaram que o MPF “apenas oferece acusações quando presentes provas consistentes dos crimes”. “Antes da apresentação de denúncias são comuns debates e revisões sobre fatos e provas, de modo a evitar acusações frágeis em prejuízo aos investigados. No caso tríplex, a prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro foi examinada por nove juízes em três instâncias que concordaram, de forma unânime, existir prova para a condenação”, diz a nota.

Sobre a entrevista do ex-presidente Lula, os procuradores afirmaram que “a força-tarefa entende que a prisão em regime fechado restringe a liberdade de comunicação dos presos, como já manifestado em autos de execução penal, o que não se trata de uma questão de liberdade de imprensa. O entendimento vale para todos os que se encontrem nessa condição, independentemente de quem sejam”.

A força-tarefa da Lava Jato também reafirmou que sua atuação é apartidária e a atuação do grupo é pautada na legalidade.

Os procuradores negam a veracidade das mensagens transcritas pelo Intercept?

Os procuradores da Lava Jato, nas duas notas, não negaram que as mensagens sejam verdadeiras. Além disso, os procuradores também externaram a preocupação de que as mensagens obtidas pelo Intercept sejam retiradas de contexto – o que indica que elas não seriam inverídicas.

O que Sergio Moro disse sobre as reportagens do Intercept?

Sergio Moro emitiu uma nota no domingo (5) sobre a divulgação das conversas. O ministro afirmou que “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de [as mensagens] terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato”. Moro também lamentou a falta de identificação do responsável por ter acessado informações do telefone dos integrantes da força-tarefa. Além disso, o ministro também reclamou da postura do site, que não entrou em contato com os citados antes da publicação da reportagem.

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Nesta segunda (10), em Manaus (AM), Moro falou pela primeira vez sobre as reportagens. Disse que não viu “nada de mais” nas mensagens que teria trocado com Deltan Dallagnol. “O juiz conversa com procuradores, o juiz conversa com advogados, o juiz conversa com policiais, isso é normal”.

Moro também negou ter orientado o MPF sobre como proceder na investigação e diz não poder dizer se as mensagens transcritas pelo Intercept são verdadeiras. “Não tem nenhuma orientação ali. Aquelas [mensagens], eu nem posso dizer que são autênticas, porque são coisas que aconteceram, se aconteceram, anos atrás. Não tenho mais essas mensagens, não guardo mais registro disso”, disse.

A ação de hackers nos celulares de Moro e de outros integrantes da Lava Jato está sendo investigada?

A Polícia Federal (PF) tem dois inquéritos em andamento para apurar invasões a celulares de autoridades. O primeiro foi aberto há cerca de um mês para investigar ataques feitos aos aparelhos de procuradores da República que atuam nas forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Na semana passada, a PF abriu um novo inquérito para apurar a invasão do celular do ministro Sergio Moro.

Qual foi a reação da defesa do ex-presidente Lula a respeito das reportagens do Intercept?

Advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, reforçou sua tese de perseguição política após o vazamento das mensagens. Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo
Advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, reforçou sua tese de perseguição política após o vazamento das mensagens. Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

A defesa do ex-presidente Lula divulgou uma nota após a divulgação das conversas. Os advogados do petista afirmam que “a atuação ajustada dos procuradores e do ex-juiz da causa, com objetivos políticos, sujeitou Lula e sua família às mais diversas arbitrariedades”. “A esse cenário devem ser somadas diversas outras grosseiras ilegalidades.” Os advogados afirmam, ainda, que o ex-presidente foi vítima de violações a garantias fundamentais e negativa de direitos, além de perseguição política.

Haverá a publicação de novas reportagens baseadas no conteúdo das supostas conversas?

O Intercept deu a entender que sim. “Esse é apenas o começo do que pretendemos tornar uma investigação jornalística contínua das ações de Moro, do procurador Deltan Dallagnol e da força-tarefa da Lava Jato”.

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