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Nova Lei de Zoneamento de Curitiba quer reocupar o Centro

Foto: Átila Alberti/Arquivo/Tribuna do Paraná
Foto: Átila Alberti/Arquivo/Tribuna do Paraná

Uma cidade em que a zona central apresenta desequilíbrio entre o número de empregos e a quantidade de moradores. Assim é Curitiba que, em virtude dessa divergência, vê seu centro “morrer” fora do horário comercial. A conclusão aparece no estudo que embasou o projeto da nova Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo, elaborada pela prefeitura e que está em discussão na Câmara Municipal. Reverter essa tendência, estimulando a migração dos postos de trabalho para outras regiões é um dos objetivos do governo municipal a partir da nova legislação.

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Uma audiência pública na Câmara, marcada para o próximo dia 3 de abril, vai debater o projeto que está em análise pelas comissões da casa desde agosto de 2018. A demora em votar o texto é mais um desdobramento que envolve a nova lei de zoneamento de Curitiba. No final de 2016, quando estava saindo da prefeitura, Gustavo Fruet chegou a enviar uma proposta para o Legislativo. Mas, quando o atual prefeito Rafael Greca assumiu, a proposta foi retirada e direcionada ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) para que o texto fosse reformulado.

A tarefa de redigir uma nova versão ficou com Alberto Paranhos, economista urbano que fez parte da equipe do Ippuc entre os anos 1970 e 1980. Depois, integrou o programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos por 20 anos e hoje, de volta ao Ippuc, atua como consultor técnico. Segundo Paranhos, as mudanças em relação às regras atuais serão poucas. “A ideia é fazer ajustes pequenos exatamente para acompanhar a evolução horizontal da cidade”. Argumentando que há pouco uso comercial no setor estrutural – o espaço que compreende as ruas João Gualberto, Sete de Setembro e República Argentina – em comparação com o centro, ele acredita que o ideal é justamente estimular o uso misto desses espaços.

Fora do horário comercial, movimento no Centro cai consideravelmente. Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo
Fora do horário comercial, movimento no Centro cai consideravelmente. Foto: André Rodrigues/Arquivo/Gazeta do Povo

Segundo estudos realizados para estruturar a lei, a zona central apareceu desequilibrada em relação ao número de empregos e quantidade de moradores. “O que a gente descobriu pela pesquisa é que de 1975 até 2010 aumentou a quantidade de pessoas que moram na zona central, o que se mostra um excelente sinal”, explica Paranhos. Uma das apostas é o retorno de centros universitários para a área, que também é muito bem servida de transporte público e aparelhos urbanos, dando outra vida para área central.

“Mas ao mesmo tempo, todas as maiores ofertas de emprego e lazer da cidade ainda estão concentradas na área central, o que é um dos problemas da vida urbana”, argumenta o economista. Um dos pontos da nova lei de zoneamento bate nessa tecla, estimulando a migração de novos postos e trabalho para as pontas do eixo estrutural.

O perfil econômico das regionais, publicado pela Agência Curitiba de Desenvolvimento em 2017, indica que a Regional Boa Vista é mais populosa, com 249 mil habitantes, correspondendo 14,2% do total do município. Composta por 13 bairros, como Abranches, Atuba, Bacacheri, Bairro Alto, Boa Vista e Santa Cândida, possui 27,6 mil estabelecimentos formais, o que corresponde a 11,2% do total de Curitiba. Boa parte deles correspondem a serviços (46%), seguido de comércio (38%) e indústria (quase 15%). A regional ocupa a terceira posição entre as dez regionais. A liderança em número de estabelecimentos econômicos formais é da regional Matriz, com 76.837 negócios.

A Regional Boa Vista tem 249 mil habitantes e é composta por 13 bairros. Número corresponde a 14,2% do total do município. Foto: Antônio More/ Arquivo Gazeta do Povo.

O poder da zona mista

O arquiteto e professor da PUCPR Juliano Geraldi concorda em um dos pontos mais fortes da mudança no zoneamento: adensamento das áreas mistas. “O futuro são as cidades mistas. A vida cotidiana das pessoas não é vivida pela lei de zoneamento, mas a lei acaba regulando muitas coisas que influenciam na vida das pessoas”, afirma.

A intenção é que pequenos negócios e serviços, definidos pelo Ippuc como negócios vicinais, migrem de áreas bem servidas, como a própria zona central, e comecem a “rechear” o miolo dos bairros. “O bairro deixa de ser um monte de casas onde moram pessoas e começa a receber pessoas. O centro deixa de ser o centro para ser mais um bairro, com gente morando ali“, explica Paranhos.

O texto da nova lei flexibiliza as regras para usos não habitacionais na cidade, aumentando o limite de tamanho permitido. Com isso, o tamanho máximo para imóveis comerciais em todo o município passa de 100 m² para 400 m² para empreendimentos de pequeno porte; de 400 m² para 2.000 m² para os de médio porte; e de mais de 400 m² para mais de 2.000 m² (grande porte) em pontos específicos da cidade. “Tudo isso é feito pela iniciativa privada e a lei se limita a dizer que o pode e o que não pode, dando alguns desses estímulos”, completa.

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No entanto, Geraldi acredita que o novo texto acabou sendo comedido em alguns pontos. “As zonas mistas precisavam ser mais”, diz ele. “Transformar as conectoras em vias de adensamento era algo que mais ou menos já vinha acontecendo. O zoneamento responde a uma pressão do mercado imobiliário e do padrão de comportamento das pessoas. Acho que o que mais difere um pouco seria a zona mista se ela tivesse sido aplicada no conjunto geral da cidade”, completa o arquiteto.

Geraldi ainda acredita que os efeitos não serão tão imediatos. “A cidade demora um pouco para responder ao zoneamento, sendo sempre uma coisa de longo prazo. É preciso firmar muito naquela proposta”. Para ele, as mudanças em relação à estrutura respondem ao que a cidade tem se transformado, não exatamente preparando a cidade para o futuro.

Habitação social em pauta

“Quantas pessoas a gente quer que more aqui? No seu bairro, você acha que poderia ter mais gente?”, foram algumas das perguntas levantadas nas audiências públicas realizadas durante 2017 e com mais intensidade em 2018 nas regionais de Curitiba. “Alguns diziam sim, pode. Outros não, depende”, lembra Paranhos.

As indagações acendem o debate a respeito da habitação social. Pela revisão do texto, o objetivo é incentivar a implantação de habitação de interesse social em áreas estruturadas da cidade. “O que propusemos é uma flexibilização dos parâmetros nesses bairros se a construção das moradias for realizada por intermédio da Cohab [Companhia de Habitação Popular de Curitiba]. Isso pode desagradar alguns moradores, mas pode ajudar a atender a fila”, explica. “Se tem um lote perdido, por que não pode ter um prédio da Cohab no meio do Bacacheri?”, questiona.

Hoje, são 45 mil pessoas na fila da Cohab. A atual legislação de zoneamento de Curitiba já permite a construção de habitação social nas Zonas Residenciais 2 (ZR-2), mas o objetivo do Ippuc é reforçar essa possibilidade. O economista resumiu a proposta que vai para a discussão e votação de vereadores este ano como uma lei de “grandes diretrizes, mínimos e máximos. Uma lei que não se prevê tudo, porque tudo não é previsível”.

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