Procuradores que atuam junto ao Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE) querem processar conselheiros do órgão por proibi-los de oficiar a autoridades públicas pedindo dados para suas investigações. A polêmica decisão foi tomada na terça-feira (19) e, segundo o Ministério Público de Contas, foi uma reação contra a atuação no caso envolvendo a cantora Ivete Sangalo, que recebeu R$ 650 mil do governo de Cid Gomes (PSB) para realizar um show na inauguração de um hospital público em Sobral.

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“Estranhamente, isso ocorreu logo após essa história do cachê pago no hospital. É uma consequência direta do trabalho que tenho feito nesse caso”, queixou-se nesta sexta-feira o procurador-geral do MP de Contas junto ao TCE-CE, Gleydson Alexandre. Na terça, o plenário aprovou, por cinco votos a dois, decisão que veta o envio, pelos procuradores, de pedidos de informação ao governador, secretários e outras autoridades estaduais. Além disso, determinou a remessa de comunicado a todos eles, desobrigando-os de responder às solicitações.

Praxe nos MPs de Contas de todo o País, inclusive no Tribunal de Contas da União (TCU), esses requerimentos servem para os procuradores aprofundarem a análise de denúncias e fundamentarem representações contra gestores públicos suspeitos de irregularidades.

De acordo com voto do presidente do TCE, o ex-deputado Valdomiro Távora, no Ceará os procuradores precisam do aval de seu gabinete ou de algum dos conselheiros para encaminhar seus ofícios. A previsão estaria na Lei Orgânica e no Regimento do TCE, apesar da vasta legislação que prevê a transparência na administração pública.

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Além da Constituição de 1988, em seu artigo 5º, a Lei de Acesso à Informação dá a qualquer cidadão o direito de requisitar dados a ocupantes de cargos públicos. Na prática, com essa decisão, qualquer cearense pode enviar solicitações ao seu governo, mas não os procuradores, no exercício do cargo.

Revolta

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“Estamos de mãos atadas para levar adiante qualquer denúncia ou informação que nos chegue. Não existe essa restrição em lugar nenhum”, reclama o procurador-geral, acrescentando que a liberdade de oficiar também está prevista nas leis orgânicas dos MPs de todo o País.

A situação gerou revolta na categoria, que, além de uma medida cautelar contra a decisão do TCE, já em preparação, pretende ajuizar ações de improbidade administrativa e, possivelmente, danos morais contra os conselheiros. O argumento é que a decisão violou deveres de legalidade e lealdade às instituições, além de causar dificuldades à atividade do MP de Contas. As medidas serão tomadas pelas entidades que representam os procuradores no Ceará e em nível nacional.

Em nota de repúdio, a Associação Nacional do MP de Contas (AMPCON) classifica a decisão de lamentável e desconectada da realidade. “Ao decidir embaraçar uma prerrogativa elementar do Ministério Público, atentando contra o seu bom funcionamento, o tribunal adotou postura irresponsável, totalmente contrária ao interesse público e ao dever de lealdade às instituições”, diz o texto.

Para o presidente da entidade, Diogo Roberto Ringenberg, a decisão abre um precedente perigoso num contexto em que os TCEs do País são, tradicionalmente, cordiais com autoridades dos governos estaduais. Ele diz que o mal-estar político com a investigação do caso Ivete influenciou a corte de contas cearense. “O TCE está fazendo um papel de serviçal”, critica.