Paulo Dionísio de Vasconcelos tinha 34 anos e era segundo-secretário da embaixada brasileira em Haia, na Holanda, quando o encontraram em seu Lancia Fulvia com um corte profundo no pescoço. Era 4 de agosto de 1970. Em 24 horas, a polícia holandesa concluiu que se tratava de suicídio – havia uma lâmina de barbear em uma poça de sangue no carro e testemunhas diziam não ter visto ninguém, além do diplomata, no carro. Em sua rapidez, a apuração desprezou provas de uma chantagem ou conspiração contra o diplomata. Como as pistas que levavam a um homem em Londres nunca foram investigadas, o caso foi encerrado para o alívio do Itamaraty.

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É essa história que o jornalista Eumano Silva reconstrói em seu livro “A morte do diplomata, um mistério arquivado pela ditadura militar” (Tema editorial, 205 pag. R$ 35,00). Eumano contou com a ajuda da família de Paulo Dionísio – de sua viúva, filhas e irmãos, entre eles o ex-deputado federal Paulino Cícero (MG) -, que nunca aceitou a tese do suicídio, para reconstruir a vida e a carreira do diplomata. Consultou diários, cartas e documentos do Itamaraty. Encontrou na correspondência diplomática mais preocupação com o monitoramento de opositores do regime militar exilados na Europa do que interesse em elucidar todas as circunstâncias da morte do brasileiro.

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Era uma época em que diplomatas se haviam tornado alvo das guerrilhas latino-americanas. Eles foram sequestrados e mortos em 1970. Na Guatemala, o embaixador alemão ocidental Karl von Spreti foi sequestrado e morto por guerrilheiros. No Uruguai, o cônsul brasileiro Aloysio Gomide era mantido em cativeiro pelos Tupamaros e, no Brasil, o embaixador alemão Erenfried von Hollenben, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e pela Ação Libertador Nacional (ALN), havia sido solto em troca da libertação de 40 presos políticos.

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Europa

A violência política também explodia na Europa. Meses antes, uma bomba fascista deixara 17 mortos e 80 feridos na sede do Banco Nacional da Agricultura, em Piazza Fontana, em Milão. Assim, quando a notícia da morte de Paulo Dionísio chegou a Brasília, o Itamaraty logo se viu diante de mais uma crise – naquele momento, guerrilheiros Tupamaros mantinham em cativeiro o cônsul Gomide.

A conclusão da polícia holandesa, afastando a hipótese de homicídio, nunca respondeu ao que teria provocado um diplomata se matar às vésperas do nascimento da sua segunda filha. Seus diários nada revelam, exceto a preocupação banal com a conta de telefone de um inquilino que ele teria de pagar em Brasília.

É aí que o trabalho do repórter Eumano ganha relevo. O contraste entre a dedicação de diplomatas à perseguição de opositores do regime é realçado pelo descaso com que são tratadas várias cartas enviadas a Paulo Dionísio – algumas das quais chegaram à embaixada após sua morte – por um misterioso remetente de Londres. Elas acusam o diplomata de ter participado de uma conspiração que levou um homem à prisão na Inglaterra e exigem que ele entre em contato com um escritório de advocacia londrino. Apesar das boas conexões da embaixada brasileira coma polícia londrina, nada foi apurado. Eumano descobriu que o escritório existia, assim como os advogados. Mas o mistério permanece: por que o diplomata morreu? A diplomacia do regime não quis indagar até o fim.

A MORTE DO DIPLOMATA

Autor: Eumano Silva

Editora: Tema Editorial

208 páginas,

R$ 35,00

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.