Justiça

Lava Jato fez menos ações e mais retrabalho em ano longe dos holofotes

Albari Rosa

Longe dos tempos em que chegou a pautar a vida política nacional, a Operação Lava Jato no Paraná teve em 2020 um ano de menos etapas deflagradas e em que seu principal embate foi por sobrevivência.

Após anos lidando com críticas de diferentes atores políticos, como ministros do Supremo Tribunal Federal, advogados e lideranças partidárias, neste ano os procuradores passaram a ter troca pública de ataques com um novo opositor, interno.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, chefe do Ministério Público Federal, acusou o grupo de Curitiba de manter uma “caixa de segredos” com dados da operação, criticou o “lavajatismo” em um evento com advogados e dificultou a renovação formal da equipe de trabalho dos procuradores.

A falta de respaldo colocou em incerteza a continuidade dos trabalhos de investigação, em andamento desde 2014.

Em dezembro, a Procuradoria-Geral aceitou renovar a autorização de funcionamento da equipe até outubro de 2021, mas tirou a exclusividade de atuação da maioria dos membros, o que deve afetar o ritmo dos trabalhos.

O ano também marcou a saída da operação de um de seus principais símbolos, o procurador Deltan Dallagnol, que deixou a equipe em setembro citando motivos familiares. Ele foi substituído pelo procurador Alessandro Oliveira, também do Paraná, de perfil mais discreto e menos afeito à exposição pública.

Nos campos investigativo e criminal, os resultados de 2020 foram mais retraídos que os de anos atrás. Até agora, foram deflagradas oito novas etapas da operação, ante 13 em 2019.

Quatro das novas fases deste ano tratavam da área comercial da Petrobras e de suspeitas de corrupção de executivos em negociações no exterior, sem envolver diretamente políticos.

Deltan comentou a perda de protagonismo da operação em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em julho: “O destaque na imprensa diminuiu porque os investigados em Curitiba não ocupam mais posições relevantes no governo e houve uma saturação de notícias de grande corrupção. Contudo seguimos trabalhando”.

Uma das principais iniciativas deflagradas em Curitiba no ano envolveu os irmãos sócios da companhia aérea Avianca, German e José Efromovich, em agosto. Partindo da delação de Sérgio Machado, ex-presidente da estatal Transpetro, o Ministério Público fez acusação de que houve pagamento de propina na construção de navios dessa subsidiária da Petrobras.

Por causa do coronavírus, os irmãos ficaram detidos em casa até conseguir um habeas corpus, em novembro. Ambos viraram réus e negam ter cometido qualquer crime.

Além dessa circunstância, houve ainda outros efeitos indiretos da pandemia. Presos remanescentes do período auge da operação obtiveram o direito de deixar o regime fechado –caso do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que passou a ficar recolhido em casa, e de dois ex-executivos da Petrobras.

A pandemia também teve influência no andamento dos processos já abertos na 13ª Vara Federal, responsável pela operação no Paraná.

As audiências das ações, que são decisivas para o desfecho dos casos, foram suspensas no início da crise sanitária e, meses depois, retomadas apenas no sistema de videoconferência.

A Vara Federal, que tinha ficado 12 meses sem expedir novas condenações a partir da troca de juízes em 2019, voltou a sentenciar processos neste ano. Após a exoneração de Sergio Moro, em 2018, o juiz Luiz Antonio Bonat assumiu o posto em março do ano passado.

Bonat despachou 15 sentenças em 2020, tendo como alvos personagens da política como o ex-dirigente do PT Silvio Pereira, condenado por receber um automóvel Land Rover de uma fornecedora da Petrobras, e Eduardo Cunha, em seu segundo processo criminal em tramitação no estado.

Todos esses casos tinham sido herdados ainda da gestão Moro à frente da Vara Federal, sendo que cinco deles estavam em aberto desde 2014, o ano em que a Lava Jato foi deflagrada.

Duas dessas sentenças também foram de um “retrabalho” ordenado pelo Supremo Tribunal Federal.

A corte tinha decidido em 2019 anular as condenações de dois processos, expedidas no ano anterior, por entender que houve irregularidade na ordem de manifestações de réus delatores e réus delatados. Um dos casos envolvia o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine.

Em 2020, os réus puderam novamente apresentar suas alegações, e as sentenças foram expedidas mais uma vez. O resultado, porém, pouco mudou.

O sucessor de Moro também decidiu, em setembro, tornar réu novamente na Vara Federal o ex-presidente Lula, no caso em que é acusado de lavar dinheiro por meio de doações da Odebrecht para o Instituto Lula.

Depois de uma sequência de derrotas no Supremo em 2019, que incluiu a decisão que barrou a prisão de condenados em segunda instância, as autoridades da operação em Curitiba ao menos puderam em 2020 contar com a presença de um aliado na presidência da corte.

O ministro Luiz Fux assumiu o cargo no mês de setembro e procurou evitar o enfraquecimento da Lava Jato no tribunal.

Agiu para tirar das turmas do STF decisões sobre ações penais, o que vinha ampliando a quantidade de derrotas dos investigadores.

Também em setembro os ex-senadores emedebistas Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO) tiveram acusações retiradas de Curitiba.

A Segunda Turma do Supremo também barrou em setembro a tramitação de uma das principais frentes da Lava Jato no ano, uma ação penal contra o atual ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rego Filho, ex-senador pelo PMDB da Paraíba.

O ministro foi acusado de corrupção e lavagem por suposto pagamento de propina na época em que dirigiu Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Petrobras.

Em novembro, Fux disse: “O Supremo Tribunal Federal não permitirá que haja a desconstrução da Operação Lava Jato”.

Mesmo assim, medidas tomadas anteriormente pelo Supremo continuaram ampliando o esvaziamento dos trabalhos de Curitiba ao longo do ano.

Em maio, por exemplo, a corte determinou o envio para a Justiça Eleitoral no DF de processo contra ex-deputados do PP acusados de lavagem de dinheiro e corrupção.

Em 2019, o STF havia determinado que casos de corrupção com conexões com caixa eleitoral deveriam ser julgados na Justiça Eleitoral, braço do Judiciário responsável por organizar as eleições.

Uma ação penal que envolvia o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e o ex-prefeito de Campinas Hélio de Oliveira Santos (PDT) também foi enviada para a Justiça Eleitoral em São Paulo.

Também houve reveses no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, corte de segunda instância que ao longo da operação esteve na maior parte dos casos alinhada com as decisões de Curitiba.

O tribunal regional mandou, por exemplo, enviar de Curitiba para São Paulo uma investigação sobre negócios de um dos filhos de Lula com a telefônica Oi. Também tirou do Paraná processo contra o dono da cervejaria Petrópolis, Walter Faria, que ficou preso em 2019.

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