Juízes e promotores estão querendo garantir o direito ao porte de armas sem passar pelos testes de capacidade técnica e aptidão psicológica. Na terça-feira (11), a diretoria da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) reuniu-se com o ministro da Justiça, Torquato Jardim, para pleitear mudanças no decreto que regulamenta a Lei 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) está atenta esperando a resposta do ministro. Se não houver mudanças, vai acionar a Justiça para consegui-las.

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O Coordenador da Justiça Estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Frederico Mendes Júnior, argumenta que magistrados e membros do Ministério Público já passam por testes psicológicos, na fase do psicotécnico, para ingressar na carreira. “A aptidão psicológica e a idoneidade, portanto, são minuciosamente aferidas quando do ingresso na respectiva carreira”, diz Mendes Júnior.

“O porte de arma é uma prerrogativa funcional dos membros do Poder Judiciário e doMP. A prerrogativa, longe ser um privilégio, tem pertinência com a função de risco (defesa pessoal) exercida no sistema de justiça e independe de regulamentação ou do preenchimento outros requisitos que não os exigidos pelas próprias leis de regência das respectivas carreiras”, explica o representante da AMB.

Segundo Roberto Carvalho Veloso, presidente da Ajufe, a entidade foi autorizada pela maioria dos seus membros, em consulta interna, a questionar a previsão regulamentar dos testes psicológico e de aptidão constante do Decreto 5.123/2004, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento. “A Lei Orgânica da Magistratura concede o porte independentemente de qualquer restrição e o decreto limita o que diz a lei. A Constituição Federal diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei. Então, um decreto não pode criar um limite contrariando a lei”, afirmou em entrevista ao Justiça & Direito.

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“Os associados [da Ajufe] apontaram que estavam sofrendo constrangimentos na polícia na hora de realizar o teste de aptidão e que esse tipo de constrangimento estava impedindo o direito garantido pela Lei Orgânica da Magistratura”, disse Veloso. “Nós vamos esperar o encaminhamento da demanda da AMB. Se o Ministério não mudar o decreto, entraremos com a ação”, concluiu.

Entenda a proposta

De acordo com a proposta encaminhada ao Ministério da Justiça pela AMB, juízes e promotores, além dos agentes listados no artigo 144 da Constituição – policiais federais, militares, civis e bombeiros –, passariam a ser dispensados da exigência dos testes. A redação do decreto sugerida pela AMB criaria uma exceção ao artigo 33-A do Decreto 5.123/2004, que prevê a necessidade dos testes mesmo para categorias que tenham direito ao porte previsto em lei especial. É o caso de juízes e promotores, que têm direito ao porte de armas garantido pelas respectivas Leis Orgânicas, que disciplinam essas profissões no Brasil: são as Leis Complementares 35/1979 e 75/1993.

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O próprio Estatuto do Desarmamento dispõe, em seu artigo 6º, sobre a excepcionalidade do porte de armas previsto por leis especiais e traz ainda outras exceções, como para empresas de segurança privada e integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. O que o Decreto 5.123/2004 faz, nos seus artigos 33 a 37, é regulamentar as regras para o porte de armas no caso dessas categorias excepcionadas pela própria lei.

A AMB também quer dispensar juízes, promotores e policiais das exigências de inexistência de inquérito ou processo criminal e de comprovação de capacidade técnica da hora de obter a autorização para comprar uma arma na Polícia Federal (PF). Hoje, essa autorização é necessária para comprar a arma em uma loja autorizada e, posteriormente, para conseguir ter acesso a ela, depois de obter o registro e o guia de trânsito, também na PF.

Por fim, a nova redação do Decreto proposta pela AMB retira a necessidade de os agentes listados no artigo 144 da Constituição passarem, depois da aposentadoria, pelos testes de capacidade técnica e aptidão psicológica para manter o porte e a posse de arma de fogo. Nas novas regras desejadas pelos magistrados, eles estarão garantidos, independentemente dos testes, para juízes, promotores e policiais na ativa ou aposentados.

Questionado se o Estatuto do Desarmamento não revogaria as normas anteriores referentes ao assunto, Mendes Júnior considera que não seria o caso de norma posterior revogar anterior (critério cronológico). “A utilização do critério aí é indevida. A questão deve ser examinada sobre outro prisma. O Estatuto do desarmamento é lei ordinária. As leis que regem as carreiras dos MP e da magistratura têm status de Lei Complementar. Malgrado haja entendimento doutrinário de que não haveria hierarquia entre LC e LO, não se pode afastar o argumento de que a magistratura e os membros do MP, por possuírem uma garantia ao porte de arma para ‘defesa pessoal’ prevista em Lei Complementar (LC 35/79 e LC 75/93), não podem estar submetidos a requisitos previstos no Estatuto do Desarmamento”, observa representante da AMB.

Reação

Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil, critica proposta da AMB. “Eu realmente não vejo motivo para liberar juízes e promotores desses testes, uma vez que eles são exigidos de qualquer cidadão que queira simplesmente possuir uma arma de fogo; não precisa nem querer portar”, diz Bene. “Ou a lei vale para todos, ou ela não vale para ninguém. O porte de armas funcional está garantido para os juízes, mas se os requisitos do porte valem para o cidadão honesto, devem valer para os juízes e promotores também”, avalia.

“Se os juízes acham que o teste psicológico é dispensável, e até é verdade, isso tem que valer para todo mundo, não só para eles, que têm uma lei especial que eles mesmos fizeram”, completa.

Como ficaria a lei

Decreto 5.123/2004:

Art. 12. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá:

(…)

VI – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo;

VII – comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado;

(…)

§ 7o Estão também dispensados da comprovação dos requisitos a que se referem os incisos VI e VII do caput o membro da magistratura e do Ministério Público, na ativa ou aposentado, e o integrante de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal.

Art. 33-A. A autorização para o porte de arma de fogo previsto em legislação própria, na forma do caput do art. 6o da Lei no 10.826, de 2003, está condicionada ao atendimento dos requisitos previstos no inciso III do caput do art. 4o da mencionada Lei.

Parágrafo único. Excetuam-se dessa regra o membro da Magistratura e do Ministério Público, na ativa ou aposentado, e o integrante de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal.

Art. 37. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada cinco anos, aos testes de avaliação psicológica a que faz menção o inciso III do caput do art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003.