Irmãs de Stuart esperam confirmação para enterrar restos mortais

A revelação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de que um crânio encontrado no Rio é, ao que tudo indica, de Stuart Angel, estudante assassinado por militares da Aeronáutica aos 25 anos, em 1971, fechou um ciclo de angústia na vida de Hildegard Angel e Ana Cristina Angel, suas irmãs. Elas agora planejam realizar o desejo da mãe, a estilista Zuzu Angel, que lutou até a morte (em 1976, suspeita até hoje) para reaver o corpo do filho: vão poder enterrar seus restos mortais com dignidade.

“É uma realização muito grande. São 43 anos esperando. Agora quero cumprir a meta da minha mãe, que era enterrá-lo. Nós já sabíamos que meu irmão tinha sido assassinado pelo regime. Stuart não é uma ficção. Ficção quem fez foram os militares, que transformaram em terroristas os aterrorizados”, afirmou Hildegard. À CNV, o capitão reformado Álvaro Moreira de Oliveira Filho revelou que o corpo de Stuart fora enterrado na cabeceira da pista da base da Aeronáutica de Santa Cruz, na zona oeste do Rio. O crânio, quase completo, havia sido localizado em 1976 num terreno no centro do Rio, porque a terra da pista fora revolvida numa reforma e levada para o centro pela construtora responsável pelas duas obras.

Este ano, com a investigação da CNV, a ossada foi identificada por peritos das universidades de São Paulo (USP) e de Northumbria, da Inglaterra, como sendo de Stuart, por meio de uma análise comparativa craniofacial. Mas só com o confronto com o DNA das irmãs vai ser possível afirmar com 100% de garantia que se trata mesmo dele. Hildegard já fez sua coleta, e foi até o interior da França, onde mora a irmã, para colher o material genético dela. “Estou convencida de que é dele. A imagem do crânio foi comparada com a de negativos de fotografias de Stuart, e se sabe que crânio é como impressão digital, não há dois iguais”, disse Hildegard, que recebeu a confirmação preliminar em setembro, e desde então não se pronunciou publicamente sobre o caso porque a CNV lhe pediu discrição.

O caso de Stuart, então militante do grupo de esquerda MR-8, é notório porque sua mãe, estilista influente e de reconhecimento internacional, jamais se calou: apelou a autoridades do Brasil e no exterior (ele tinha pai norte-americano e, por isso, dupla cidadania) por informações do paradeiro do filho, incomodando o regime. O jovem foi preso, espancado e torturado durante horas, e teve o corpo arrastado por um jipe pelo pátio da Base Aérea do Galeão, com a boca próxima ao cano de descarga, inalando gás tóxico. De lá foi levado para Santa Cruz.

Zuzu acabaria morrendo cinco anos depois, num acidente de carro de circunstâncias nebulosas – em julho desse ano, o surgimento de uma foto cedida por um ex-delegado do Dops à CNV fortaleceu a suspeita de que a colisão que a vitimou possa ter sido provocada por militares: o coronel do Exército Freddie Perdigão aparece na imagem em frente ao automóvel capotado da estilista.

Hildegard espera que o sepultamento de Stuart reconforte também as famílias que nunca puderam se despedir de seus entes assassinados pela ditadura. “Quero que elas se sintam representadas”. Satisfeita com o trabalho da CNV, concluído semana passada, e favorável à revisão da Lei da Anistia, ela não aceita o argumento de que as ações dos grupos de resistência deveriam ser investigadas também. “Os militares tinham o poder. Estupraram, torturaram, cometeram crimes imprescritíveis. Eles venceram a guerra e contaram a história da maneira que eles quiseram. Não existe outro lado.”