Um eventual processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff seria um processo muito mais traumático para a democracia brasileira do que foi o impeachment de Fernando Collor na avaliação do cientista político Carlos Melo, professor do Insper. “A situação atual não tem nada a ver com a queda do Collor, o risco é muito maior, a sociedade, muito mais complexa. O caso do Collor foi uma brincadeira de criança perto do que pode ser o impeachment de Dilma”, disse Melo ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado.

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Melo, que tratou do processo de impeachment de 1992 em sua tese de doutorado e em outras publicações, ressalta que Collor era de um partido pequeno – o PRN -, com pouco apoio de movimentos sociais. Ele destaca ainda que a sociedade brasileira era menos complexa e que o Brasil não era a sétima economia do mundo. “Todo mundo queria a cabeça do Collor, ele não tinha blindagem nenhuma. O PT pode estar em crise, mas é um partido que até há pouco tempo tinha preferência de 29% do eleitorado. O Collor tinha apoio de qual movimento social? Dos taxistas, no máximo”, afirma. “O PT tem sua base movimentos sindical, estudantil, de negros, índios, LGBT, sem terra, que podem estar muito desmobilizados, mas que ainda são referência. Os governos Lula e Dilma ainda têm a marca de terem tirado 36 milhões de pessoa da pobreza”.

O cientista político avalia ainda que, em 1992, os três principais partidos brasileiros tinham lideranças mais estruturadas, o PMDB com o “decano” Ulysses Guimarães, o PSDB com Fernando Henrique, Franco Montoro e Mário Covas, e o PT com um Lula forte, com José Dirceu e Aloizio Mercadante em sua “boa fase”. “Existe um clichê que é verdadeiro de que o poder não permite vácuo. Mas quem disse que o vácuo é preenchido por alternativas boas?”, questionou ao lembrar que os peemedebistas presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, são investigados na operação Lava Jato – Cunha poderia assumir por três meses a presidência até a convocação de novas eleições se Dilma e seu vice Michel Temer fossem afastados conjuntamente. Essa seria a hipótese caso o Tribunal Superior Eleitoral decidisse cassar o diploma da chapa por abuso de poder político e econômico em ação proposta pelo PSDB.

Enquanto o quadro em volta de Collor era de uma instabilidade política forte, mas pontual, hoje há uma crise muito mais imprevisível e disseminada, da Lava Jato, que não se sabe para onde vai nem quem mais pode atingir, à crise econômica, para a qual o governo ainda não conseguiu dar uma resposta clara, explica Melo. “O momento é de muita insegurança e imprevisibilidade, o que é péssimo em todas as frentes.”

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Paralelo argentino

Carlos Melo avalia que o afastamento de Dilma Rousseff poderia ter um paralelo com o quadro argentino quando da renúncia de Fernando de la Rúa, em dezembro de 2001. A Argentina passou por grave crise econômica e de la Rúa se viu obrigado a renunciar após perder apoio popular. A sucessão foi instável, com casos de chefes de Executivo que ficaram apenas dias no poder, enquanto o país decidia dar o calote da dívida externa. A saída política foi a antecipação das eleições que levaram Néstor Kirchner ao poder em maio de 2003. “Poderíamos ter algo dessa natureza no Brasil.”

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Carona

O cientista político não vê mérito na argumentação petista de que há um “golpismo” da oposição ou uma tentativa de terceiro turno. Para Melo, há uma espiral de fatos negativos para qual o governo não conseguiu ainda achar uma saída, já que em sua visão nem o ajuste fiscal conseguiu ser de fato executado nem a chamada agenda positiva – com anúncio do pacote de concessões, ida da presidente aos EUA, Plano Safra etc – conseguiu trazer o efeito político esperado.

“O PSDB, mesmo com essas conversas com PMDB sobre impeachment, não está querendo derrubar o governo. É um partido que não tem competência hoje para isso, está de carona na conjuntura. PMDB e PSDB não mudaram o tom porque queiram dar um golpe, mas porque o quadro tem se agravado mesmo.”

Melo prefere não dar um porcentual, mas avalia que hoje o risco de um processo de afastamento de Dilma é bem mais real que há duas semanas, após efeitos da delação de Ricardo Pessoa, da UTC, e instabilidade com a pauta bomba do Congresso Nacional, minando as ações da Presidência para colocar a economia nos trilhos. “Deu-se mais uma volta no garrote. O pescoço de Dilma está bem mais apertado que há 15 dias. Quantificar esse risco ou fazer uma previsão é muito difícil, pois o quadro depende pouco dos atores políticos e muito da Justiça, do Ministério Público, da economia, da insatisfação social”, pondera.

Se não houver fato novo, “Dilma caminha para o afastamento”, diz Melo, ressaltando, contudo que na política é praticamente impossível prever se novos fatores com capacidade de alterar a rota vão aparecer.