Frigo propõe usar parte de superávit na reforma agrária

O diretor executivo da ONG Terra de Direito, Darci Frigo, defendeu o direcionamento de parte dos recursos que o governo federal destina à formação do superávit primário e pagamento da dívida externa à realização da reforma agrária.

O advogado, que já integrou a Comissão Pastoral da Terra e é considerado uma autoridade no assunto, falou ontem à CPI da Terra na Assembléia Legislativa. Ele questionou a má distribuição da terra no País, permitindo a concentração de 56% das áreas rurais nas mãos de apenas 3,5% da população.

Para Frigo, a reforma agrária, além de uma questão de justiça, é o meio mais eficaz de geração de renda, proporcionando emprego para três pessoas de cada família assentada. Ele defendeu também a reestruturação do Incra, apontando sua ineficiência, a falta de funcionários e o envolvimento do órgão em várias denúncias de corrupção. Finalmente, propôs a atualização dos índices de produtividade, definidos ainda na década de 70 e hoje defasados ante os recursos tecnológicos disponíveis, a regulamentação da função social da terra em relação ao meio ambiente e às questões trabalhistas, e celeridade na investigação dos crimes no campo.

Frigo frisou que os movimentos sociais devem ser atendidos com políticas públicas e não encarados como casos de polícia. O MST, segundo Frigo, é um movimento constitucionalmente assegurado e pacífico, cuja existência está diretamente ligada à ineficiência do Estado na realização da reforma agrária.

Contradições

Munido de farta documentação, Darci Frigo recorreu a números levantados por técnicos da área e professores universitários para descrever o quadro fundiário do Brasil na atualidade. Segundo esses trabalhos de pesquisa, 87% dos estabelecimentos rurais familiares no Brasil ocupam áreas inferiores a 5 hectares, perfazendo o total de 41% da área destinada à atividade agrícola. Apesar disso, responde por 48% do total da produção. Os grandes proprietários, que concentram 58% do solo, são responsáveis por 51% do valor líquido total da produção bruta. Enquanto a agricultura familiar emprega 1,1 milhão de trabalhadores, os grandes propretários não oferecem mais do que 30,5 mil empregos.

Os assentamentos já efetuados pela reforma agrária, de acordo com os mesmos estudos, representam benefícios não só para os assentados, mas dinamizam a economia das cidades do interior onde isso é feito, com o crescimento da oferta de alimentos, a conseqüente diminuição dos preços, a ativação do comércio e o aumento da arrecadação de tributos.

Para confirmar esses dados, Frigo sugeriu à CPI que ouça também prefeitos e representantes dos vários setores da atividade econômica nas cidades próximas a assentamentos. Sobre a denúncia de venda de lotes por parte de assentados, disse que estão dentro de índices aceitáveis e se devem, muitas vezes, ao fato do Estado não assegurar a infra-estrutura necessária à fixação desses trabalhadores rurais.

No período compreendido pela década de 90 até 2002, 15.173 famílias foram assentadas no Paraná, segundo o advogado, restando uma demanda semelhante em invasões e acampamentos. O maior número de assentamentos se deu nos anos de 1997 e 1998.

Por outro lado, nessa mesma época, ele apontou o desmonte da política de reforma agrária. No Estado o processo ficou claro, na sua opinião, com a indicação de José Carlos Araújo Vieira para a superintendência regional do Incra. Os assentamentos teriam baixado para a metade. Frigo criticou também o projeto das Vilas Rurais de Jaime Lerner, em seu entender, desvirtuado ao longo de sua aplicação, levando à evasão, desemprego e dificuldades na titularização dos lotes.

Rosseto admite falta de verbas

Brasília – O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, admitiu ontem que o orçamento do ministério para 2004, de R$ 400 milhões, é insuficiente para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Reforma Agrária. O ministro, que participou de audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara, afirmou, no entanto, que o plano foi definido depois da aprovação do orçamento.

Ele disse que, por isso, há um compromisso do governo de suplementação orçamentária. Rosseto disse ainda que, mesmo com a insuficiência do orçamento do ministério, o governo deve executá-lo até o fim de maio para depois fazer a suplementação referente ao restante do período.

Sobre os investimentos na agricultura familiar, Rossetto disse que “nunca na história do Brasil tantos recursos foram aplicados”. Miguel Rosseto não se manifestou sobre as recentes declarações do líder do Movimento dos Sem Terra (MST) João Pedro Stédile sobre novas invasões neste mês. As declarações de Stédile foram um dos motivos para a realização da audiência pública. Rosseto disse que não acha conveniente que um ministro de estado se manifeste a respeito de declarações de lideranças.

Advogado cobra investigação

O advogado Darci Frigo sugeriu à CPI que investigue denúncias de irregularidades como a intermediação na desapropriação de áreas pelo Incra na Lapa, o que teria elevado grandemente os valores estabelecidos. E citou a participação da corretora Inez Benigno, que segundo as acusações até 2002 fazia intermediações de terras com fazendeiros, cobrando comissões. Frigo cobrou ainda que se apure se estas comissões eram repartidas com terceiros, inclusive funcionários públicos. O atual superintendente atual do Incra, Celso Lacerda, já encaminhou esta denúncia à Polícia Federal.

Frigo também listou o número de trabalhadores rurais mortos nos conflitos fundiários e destacou que, apesar das denúncias de entidades patronais, jamais foram encontrados arsenais nos acampamentos. Disse desconhecer qualquer espécie de treino de guerrilha por parte do Movimento dos Sem Terra e reafirmou que não pode falar por ele e nem participa de suas decisões ou questões internas: “Vários trabalhadores já foram assassinados, mas não temos notícia de nenhum proprietário assassinado. Os sem terra querem trabalho”, acentuou.

Desemprego

Para Frigo, o avanço da tecnologia no campo e na cidade está extinguindo empregos, e o direito à propriedade deve ser submetido à função social da terra. Questionado pelo relator, deputado Mário Bradock (PMDB), e pelo deputado Marcos Isfer PPS), o advogado reafirmou que não responde pela doutrina do MST nem conhece suas práticas internas, e fez críticas ao modelo exportador que proporcionou a explosão do agrobusiness.

Também acusou a UDR e entidades patronais de dificultarem negociações com o Incra com o objetivo de impedir a aquisição de áreas destinadas à reforma agrária.

Finalmente, inquirido pelo relator e pelo presidente da comissão, deputado Élio Rusch (PFL), Darci Frigo explicou que a ONG Terra de Direito, da qual é diretor-executivo, desenvolve projeto na área de Direitos Humanos e é financiada pela Fundação Ford, que é americana. (SCP)

Isfer defende reestruturação

O deputado estadual Marcos Isfer (PPS) defendeu ontem uma ampla rediscussão sobre o papel do Incra no processo de reforma agrária do País e especialmente no Paraná, para evitar os confrontos no campo. Além das mudanças conceituais no Incra, Isfer também questiona a cobrança dos impostos sobre a terra improdutiva.

“O governo é muito ágil em cobrar impostos de quem produz, de empresas que contribuem mensalmente com o desenvolvimento. Mas não se discute a cobrança das áreas improdutivas.”

Segundo o deputado, o Incra também precisa ser rediscutido, porque está em processo de desgaste. “Ele (Incra) tem se mostrado inoperante, incapaz de cumprir seu papel na sociedade e muitas vezes colocado sob suspeita.”

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